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Paola Machado

Pare de culpar o carboidrato: ele é essencial para a vida e para o treino

Paola Machado

23/03/2018 04h00

Crédito: iStock

Falar bem de carboidrato se tornou algo quase proibido de uns tempos para cá. Quem tenta defender o nutriente quase sempre é atacado com diversas críticas. Então, gostaria que as pessoas que já estão com pedras na mão, prontas para atirar em mim, procurem se abrir a novas informações importantes, com embasamento científico, que podem ser imprescindíveis para a saúde.

Bem como as proteínas e gorduras, os carboidratos (principalmente os complexos) são macronutrientes essenciais para a vida. O carboidrato, como quase tudo na vida, tem diferentes comportamentos no organismo dependendo da pessoa e suas comorbidades. Por isso, antes de colocar em prática qualquer informação que receber, procure orientação do profissional.

Relaciono o carboidrato a gasolina do seu carro. Sem ela, o automóvel não liga e você não vai a lugar algum.

Em outro post, me questionaram sobre a essencialidade do carboidrato e o quão importante ele é para a vida. Aqui, vou esclarecer sua importância, principalmente durante o exercício. Antes disso, enfatizo que o nutriente é essencial para poupar o corpo de um processo intenso de gliconeogênese e auxilia na síntese de serotonina. Fontes naturais de carboidrato ainda oferecem vitaminas, minerais e fibras (importante para o processo de digestibilidade).

A restrição de carboidratos pode causar um problemão ao seu organismo. E, quando falamos de exercício, a substância é ainda mais imprescindível. Quanto maior a intensidade ou duração da atividade física, maior a necessidade de carboidrato. Exercícios muito intensos (85% do consumo de oxigênio máximo) precisam de muito mais estoque de glicogênio do que exercícios moderados (65% do consumo de oxigênio máximo), por exemplo.

Carboidrato simples x Carboidratos complexos

Alimentos como arroz branco, macarrão, pão branco, açúcar e biscoitos são fontes de carboidratos simples (chamados por muitos de "ruins"). Fonte de energia imediata, o nutriente é absorvido rapidamente pelo organismo e, consequentemente, aumenta a taxa de glicose no sangue (glicemia). Quando você começa a comer, o cérebro demora cerca de 20 minutos para "entender" a sensação de saciedade –que ocorre com a ação dos hormônios leptina e grelina, além de ações periférica e sistêmica. Por esse motivo, como o processo de absorção dos carboidratos simples ocorre de forma muito rápida, é normal que você continue com a sensação de fome logo após a refeição, o que o faz comer mais e mais.

Entre os alimentos ricos em carboidratos complexos ("bons") estão grãos integrais (aveia, trigo), algumas frutas, algumas leguminosas (feijão, lentilha) e alguns vegetais (batata-doce, mandioquinha). O nutriente é digerido lentamente pelo organismo, aumentando de forma gradual e lenta a glicemia. Assim, você se sente saciado por mais tempo. Por conterem uma quantidade maior de fibras, vitaminas e minerais, os carboidratos complexos são mais nutritivos do que os simples, e superimportantes nos exercícios e para o emagrecimento.

O caminho do carboidrato no seu corpo

Quando você consome o carboidrato ele terá, obrigatoriamente, que passar pela boca (ah vá!). O interessante é que, a partir do momento que você olha para o alimento, já acontece o processo de salivação e, com ela, a produção de enzimas digestivas pela boca.

Depois de passar pela primeira etapa de digestão, o carboidrato chega ao estômago, onde é quebrado em uma forma mais simples. O processo principal de absorção desse carboidrato acontece no intestino, onde passa para a parte mais interna do organismo a partir das microvilosidades.

Assim, o nutriente cai na corrente sanguínea como glicose –por isso que consumir carboidratos eleva a glicemia, o que varia conforme o índice glicêmico de cada alimento, mas falarei sobre o assunto outro dia. Concomitantemente, seu pâncreas libera um hormônio chamado insulina.

O que este hormônio tem a ver com tudo isso? A insulina é um sinalizador em potencial. Quando ela é liberada o seu organismo fala: "Opa! Tem glicose por aí!" e várias células (entre elas as do tecido muscular) já se enfeitam com seu receptores. É como se elas levantassem uma anteninha (tipo a dos celulares antigos) para a insulina se "acoplar". Quando acontece esta ligação, as células ativam os transportadores de glicose (GLUT), que ajudam a glicose circulante a entrar na célula.

Ah! Lembra que eu disse da diferença entre os carboidratos? Os carboidratos simples geram um pico glicêmico e, por conta disso, no tecido adiposo poderá ocorrer o aumento da captação de glicose não utilizada via transportador (GLUT), estimulando o armazenamento de energia nesse tecido, em  forma de gordura.

Agora, olhe para sua mão. Olhe mesmo. Você está enxergando suas células? Não vai enxergar. Elas são minúsculas. E um exército delas precisa ser alimentado e ter estoque de energia para funcionar. Muito egoísmo seu limitar ou restringir o carboidrato. Elas morrerão de fome!!

A importância da insulina

A insulina é um hormônio anabólico. Anabólico não significa que ela vai transformar você em um marombado. Utilizamos este termo para dizer que o organismo está em fase de estoque/produção e não de degradação. Acho que os conceitos de anabolismo e catabolismo (degradação) foram um pouco perdidos. Seu organismo vive em um processo, o tempo todo, de catabolismo por alguns tecidos e anabolismo por outros. Tudo depende do foco e do que está sendo feito naquele momento.

A insulina tem a função de:

• Auxiliar na produção de proteína.
• Ter efeito sobre a expressão gênica de diversos hormônios e proteínas.
• Participar do metabolismo dos lipídeos.
• Ser responsável pelo crescimento e diferenciação celular.
• Ajudar no transporte e utilização da glicose.

Importância do carboidrato no exercício

O exercício, quando falamos do processo de utilização dos nutrientes, é catabólico, pois ele inibirá a insulina por meio da liberação de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) e cortisol. A adrenalina é um hormônio liberado no início do exercício juntamente com o glucagon (sendo ambos catabólicos), pois é necessária a degradação para que o tecido muscular tenha energia para aquela atividade.

Como não temos a participação da insulina durante o exercício, precisamos de um outro sinalizador muscular. A própria contração da musculatura age como sinalizador dos transportadores de glicose, captando a glicose circulante e armazenando sob a forma de glicogênio para a utilização durante o exercício.

Imagine agora você sem carbo? Está sem nenhuma energia, não?

 

Quanto carboidrato você precisa para o exercício?

Importante: as recomendações abaixo são genéricas e você deve definir a quantidade de carboidratos junto com uma nutricionista, de acordo com o que come durante o dia, duração do exercício e objetivos.  Não gosto muito de "receita de bolo" para exercícios, mas é bom colocar aqui para você ter uma noção do quanto é recomendado.

– Até 90 minutos de treinamento de baixa intensidade: 5 g a 7 g de carboidrato por quilo de peso ao dia.

– De 90 a 120 minutos de treinamento: 7 g a 10 g de carboidrato por quilo de peso corporal ao dia.

– Treinamento muito intenso ou prolongado: 10 g a 12 g (ou até mais) por quilogramas de peso por dia.

Lembrando que 1 g de carboidrato fornece quatro calorias.

Quanto consumir no pré-treino?

O mais importante é preconizar uma refeição orientada pelo nutricionista. Se você treina logo que acorda, por exemplo, a refeição mais importante é a refeição da noite (o jantar), pois a depleção noturna de glicogênio (forma como o carboidrato é armazenado nos músculos) pode chegar a 80%. Assim, as pessoas que fazem restrição de carboidrato ou as pessoas que treinam quando acordam e restringem o carboidrato na última refeição têm as reservas energéticas de glicogênio prejudicadas, reduzindo, consequentemente, a performance.

Orienta-se o consumo de carboidratos absorvidos rapidamente e com alto índice glicêmico (IG) nas três ou quatro horas que antecedem o treino. Recomenda-se que sejam ofertados de 4 g a 5 g de carboidratos por quilo de peso. O objetivo dessa oferta é permitir tempo suficiente para digestão e absorção dos alimentos, bem como prover quantidade adicional de glicogênio e glicose sanguínea. O ideal é consumir alimentos familiares e que façam parte do padrão alimentar do praticante.

No período imediatamente antes do exercício (45 a 60 minutos) deve ser priorizado o consumo de alimentos ricos em carboidratos de baixo IG. A dose recomendada é de 1 g a 2 g por quilo de peso corporal.  O IG refere-se a velocidade na qual o carboidrato chega a sua corrente sanguínea. Quanto mais rápido ele chega –alto IG, carboidratos simples –, maior o pico de liberação de insulina. Quanto mais devagar ele chega –baixo IG, carboidratos complexos –, menor o pico de liberação de insulina. Os carboidratos com baixo IG permitem um ritmo mais lento de absorção e diminuem a probabilidade de hipoglicemia de rebote, o que afetaria o desempenho do atleta durante a prova.

Quanto carboidrato é necessário durante o exercício? 

A regra aqui é igual a do pré-treino: a quantidade ideal deve ser definida por um nutricionista, conforme seu treino,  seus objetivos e sua dieta.

– 30 a 80 gramas de carboidratos por hora de exercício ou 0,7 gramas de carboidratos por quilo de peso corporal a cada hora de exercício.

A ingestão durante o exercício precisa ser testada para avaliar a adaptação a carboidrato líquido, gel ou mesmo sólido. Em treinos na bike, por exemplo, pode-se utilizar carboidrato sólido, líquido ou em gel. Já na corrida o gel costuma ser mais prático, pois dá para levar no bolso do shorts.

Durante o exercício é legal combinar dois tipos de carboidratos. Exemplo: fazer uma mistura de glicose mais frutose ou maltodextrina mais frutose, pois nosso organismo consegue absorver muito mais carboidrato.

Recomendações de carboidrato após o exercício 

Estas recomendações são importantes para que você reponha o carboidrato utilizado. A quantidade deve ser ajustada por um nutricionista.

– Após exercícios intensos: 1,5 gramas de carboidrato por quilograma de peso nos primeiros 30 minutos e a cada 2 horas, durante quatro a seis horas após o término do exercício.

– Durante 24 horas: a taxa de recuperação de glicogênio é de cerca de 5% a 7% por hora. Seu organismo, com a alimentação normal, consegue repor e essas necessidades, desde que descanse 24 horas entre um exercício e outro, não havendo necessidade de uma maior suplementação (exceto pessoas que treinam duas vezes por dia).

– Em treinos de longa duração (para maratonas) ou duas vezes ao dia: a alimentação deve privilegiar a reposição de glicogênio de acordo com as necessidades estipuladas pelo nutricionista.

Enfatizo que pessoas que treinam em intervalos de 24 horas conseguem repor os estoques com alimentação normal.

A não ser que seja uma orientação do seu nutricionista (ele sabe mais das suas necessidades do que qualquer um), não restrinja carboidratos da sua dieta. Você pode perder 10 kg esse mês, mas não conseguirá viver sem ele para sempre. Cuidado com dicas desastrosas!

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Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.