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Paola Machado

Parei de tomar leite e desenvolvi um problema: intolerância à lactose

Paola Machado

26/04/2018 04h00

Crédito: iStock

Sempre fui muito dedicada e busquei ter uma vida saudável. Sou muito regrada, tanto na alimentação quanto no exercício, por escolha exclusivamente minha. Nunca comi por impulso e sou muito ponderada quanto a minhas escolhas.

Tenho uma patologia que necessita de suplementação de cálcio por diversas fontes e, por determinado momento, sem perceber –sem perceber mesmo–, tirei o leite e derivados da minha vida por um pouco mais de duas semanas. Mas eu nunca tive qualquer problema com a bebida e sempre colhi os resultados positivos do seu consumo.

Infelizmente, por conta desse longo tempo sem leite –a famosa lei do desuso!–, me tornei intolerante ao alimento. E o resultado? Uma vida restritiva, uma vida cuidando de um quadro patológico.

A restrição pode parecer uma solução excelente, porém pode virar um grande problema. E, antes de continuar, sim, eu sei que a população ocidental, diferentemente da oriental, é a única classe de mamíferos que continua ingerindo leite na vida adulta. Também sei que o leite não é a única fonte rica em cálcio, posso citar aqui as verduras verde-escuras (couve, espinafre, rúcula) como ótimas opções para consumir o mineral.

Não sei vocês, mas sempre me pergunto: será que vale mesmo a pena cortar algo da alimentação e viver uma vida cheia de restrições quando não há problemas?

O PROBLEMA DE EXCLUIR INGREDIENTES DO CARDÁPIO

Muitas pessoas confundem o termo intolerância e alergia alimentar. Vamos entender a diferença entre estes temos:

  • Intolerância alimentar: é uma resposta adversa causada por características fisiológicas de cada pessoa, como desordens metabólicas e gastrointestinais geradas pela deficiência de enzimas para digestão certo nutriente. Neste caso não há reação do sistema imune. A intolerância à lactose é o exemplo mais comum de intolerância alimentar. Ela é caracterizada pela deficiência de enzima lactase, responsável por metabolizar o açúcar do leite (lactose). Sintomas mais comuns: gases, desconforto e distensão abdominal e diarreia.
  • Alergia alimentar: são reações imunológicas anormais causadas pela ingestão de um alimento ou componente alimentar, geralmente proteínas. Algumas proteínas contidas em alguns alimentos apresentam um potencial alergênico maior, como as proteínas presentes no leite de vaca, na soja, em frutos do mar, nas oleaginosas, no ovo e na farinha de trigo. A alergia alimentar imediata gera sintomas logo que se consome o alimento alergênico. Sintomas mais comuns da alergia imediata são urticaria, dermatite, angioderma, prurido, rinite, edema de glote, vômito, diarreia, náusea e choque anafilático.
  • Alergia alimentar tardia: este tipo de alergia alimentar ainda não está completamente elucidado na literatura. Mas sabe-se que alguns alimentos com maior potencial alergênico, quando consumidos frequentemente, podem gerar reações imunológicas. Muitas vezes os sintomas não são sentidos imediatamente após o consumo de determinado alimento. Os sinais de alergia alimentar tardia se manifestam de seis a 24 horas ou mais após a ingestão alimentar. Essa reação ocorre lentamente, e pode atingir seu pico até em 48 horas. Sintomas podem aparecer em várias partes do organismo.

Como dietas restritivas e monótonas podem promover intolerâncias e alergias alimentares?

O nosso organismo apresenta cerca de 50 milhões de células que se renovam diariamente. Essa regeneração ocorre a partir de nutrientes ingeridos e disponíveis no sangue para a função. Nutrientes como vitaminas, minerais e ácidos graxos poli-insaturados são os que naturalmente executam as ações anti-inflamatórias, antioxidantes, anticancerígena, detoxificante e anti-alérgica.

Por isso, quando seguimos dietas restritivas e hipocalóricas sem orientação nutricional adequada, a deficiência de nutrientes pode comprometer a formação das novas células, comprometendo suas funções fisiológicas e metabólicas.

Importância da mastigação e da digestão na tolerância dos alimentos

Os alimentos por si só não são reconhecidos pelo organismo, e sim os nutrientes que possuem receptores específicos ao longo do intestino para serem absorvidos. Desta forma, quando não mastigamos adequadamente os alimentos, bem como na presença de alterações no processo de digestão –como baixa produção de ácido clorídrico –, os alimentos não são digeridos adequadamente.

Neste caso, a chegada de macromoléculas alimentares no intestino podem promover respostas imunológicas locais. Além disso, em casos de disbiose com aumento da permeabilidade intestinal, essas macromoléculas podem atingir a corrente sanguínea, ativar o sistema imunológico e gerar sintomas em vários órgãos e tecidos.

Se a pessoa que possui este tipo de reação se expõe diariamente aos alimentos causadores desse processo, pode ocorrer desequilíbrio da microbiota intestinal e elevação na concentração de citocinas inflamatórias no sangue.

Consequentemente, pode haver um comprometimento da defesa do organismo, e aumenta-se a ocorrência de sinais e sintomas orgânicos: rinite, otite, amidalite laringite, faringite, bronquite, esofagite de refluxo, gastrite, colite, cistite, celulite, tireoidite, labirintite, artrite, dermatite. Importante pontuar que a tendência genética é um importante determinante destas respostas.

O estado nutricional e a microbiota intestinal adequados são determinantes para ajudar no equilíbrio do sistema imune e na tolerância oral aos alimentos. Dietas da moda, desequilibradas e deficiente em nutrientes podem comprometer a tolerância aos alimentos pela deficiência de nutrientes que estabelecem e fortalecem o sistema imune.

Dietas da moda e sintomas de hipersensibilidade alimentar

Os sintomas de uma alergia tardia podem aparecer dependendo da relação entre a quantidade de antígeno (alimento alergênico) e anticorpo presentes na corrente sanguínea. Seguir uma dieta de exclusão, por exemplo sem leite de vaca e sem glúten, sem orientação profissional e de forma inadequada pode promover alterações no equilíbrio entre antígeno e anticorpo. Esse desequilíbrio e o tempo inadequado de dieta podem gerar sintomas alérgicos que não eram sentidos pelo paciente antes, o que pode provocar uma potencialização dos sintomas alérgicos. Fazer dieta é coisa séria. Por isso, procure um nutricionista para adequar o plano alimentar de acordo com suas necessidades e individualidades.

Referências:
– Carreiro DM. Entendendo a importância do processo alimentar, São Paulo, 2012.
– Pachoal et al. Nutrição Clínica Funcional dos princípios a prática clínica. São Paulo, 2013.
– Pereira ACS. Alergia alimentar: sistema imunológico e principais alimentos envolvidos. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, v. 29, n. 2, p. 189-200, jul./dez. 2008.
– Taylor e Hefle. Alergias alimentares e intolerância. In Shilss. Nutrição Moderna na saúde e na doença. 2009.

*Colaboração Nutricionista Dra. Deborah Masquio (UNIFESP) 

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.