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Paola Machado

Não é chinelinho: futebol é exigente e corpo precisa descansar por dias

Universa

24/01/2019 04h00

Crédito: iStock

A temporada no futebol brasileiro mal começou e a gente já ouve que os atletas precisam ser poupados pois é desgastante para os jogadores encararem duas partidas por semana e os treinos.

Aí, você que faz musculação, corre, dança, luta, pedala ou nada e consegue se exercitar cinco, seis vezes na semana e ainda trabalha, estuda, cuida da casa e da família se pergunta: "Como assim é desgastante para um atleta profissional jogar duas vezes por semana?".

Pois é, os jogadores são cada vez mais exigidos em relação à performance. Se comparado aos atletas de décadas atrás, observamos um aumento nas demandas físicas e psicológicas, devido aos curtos períodos de recuperação entre partidas, e altas demandas neuromusculares e também uma maior pressão do mercado esportivo e da própria mídia.

A grande exigência física pode provocar fadiga transitória durante o jogo e exacerbar a fadiga após o jogo. É possível observar alterações neuromecânicas como a diminuição na produção de força e potência, alterações em marcadores sanguíneos logo após e até dias depois das partidas. Assim, a ciência tem se concentrado em entender as características fisiológicas desses superjogadores e todas as variáveis que influenciam em seu desempenho em campo.

A temporada de competição e lesões

A atividade habitual de jogadores de futebol durante a temporada competitiva consiste em ciclos de treinamento, competição e recuperação ao longo de um período semanal, que pode ocorrer repetidamente ao longo de 38 a 40 ciclos sucessivos, o que requer um ótimo planejamento.

O treinamento excessivo enquanto os jogadores ainda estão se recuperando de um jogo resulta em maior risco de lesões e redução de performance em toda a equipe.

Uma partida de futebol aumenta marcadores relacionados a lesões por até 72 horas após o apito final. Estudos revelam que entre 65% e 91% dos jogadores provavelmente sofrem uma lesão durante uma temporada, sendo a lesão muscular de membros inferiores a mais comum, correspondendo a 90%.

Entenda o que ocorre no corpo do jogador

Um estudo recente revisou sistematicamente o desenvolvimento da fadiga relacionada ao jogo (função muscular, respostas fisiológicas, técnicas, bioquímicas e de percepção) e o perfil de recuperação pós-jogo, sendo observada uma alteração do desempenho físico por 72 horas após a partida.

A movimentação em campo

As exigências energéticas e as características das ações dos músculos associados a traumas e lesões prévias levam ao estresse metabólico e mecânico, que se acentuam no segundo tempo do jogo.

Há a redução do pH sanguíneo e muscular e diminuição do estoque de glicogênio, que revelam as altas exigências aeróbias durante um jogo e demandas anaeróbicas extensivas durante períodos específicos.

Devido a todas essas mudanças fisiológicas, as habilidades motoras ficam diretamente prejudicadas. Na capacidade de correr, o atleta se recupera em 72 horas, mas o desempenho em saltos e outros movimentos explosivos ainda fica prejudicado.

Estresse oxidativo e a produção de antioxidantes

O jogo altera a homeostase do corpo e promove danos oxidativos. Após 72 horas, há aumentos substanciais nos níveis sanguíneos de biomarcadores oxidantes e alterações em enzimas antioxidante. A morte celular no tecido muscular após a partida também pode ser desencadeada pelo aumento do estresse oxidativo.

Em resposta a esses possíveis danos, o corpo gera um aumento na circulação de antioxidantes endógenos e exógenos, mais prevalentes até 48 horas, com objetivo de combater e fortalecer a capacidade de eliminação de espécies reativas do corpo.

Resposta inflamatória do corpo

Um aumento nas respostas inflamatórias e imunológicas ocorre após o jogo e persiste por até 72 horas. A resposta imune sistêmica leva à secreção de citocinas e à ativação do sistema imunológico. Indicadores de biomarcadores sanguíneos de um estado inflamatório caracterizam a resposta de fase aguda e afeta a expressão gênica de proteínas. Durante o exercício, a IL-6 é produzida e liberada principalmente pelos músculos. Esta produção é fortemente influenciada pela intensidade e duração do exercício.

Porq ue dói e demora para recuperar?

O aumento observado em neutrófilos e linfócitos no final do jogo e durante a recuperação reflete o estresse fisiológico. A resposta inflamatória localizada é consistente com o aumento dos níveis de estresse oxidativo e dor muscular durante 72 horas, e assim pode atrasar a recuperação.

Essas substâncias podem aumentar a excitabilidade das fibras nervosas sensoriais, resultando em dor muscular e limitando a capacidade de desempenho dos jogadores.

Além disso, a resposta inflamatória juntamente com o processo de reparo pode iniciar e amplificar a lesão do músculo esquelético.

Todos esses fatores contribuem para retardar a recuperação relacionada ao jogo de futebol.
O treinamento neuromuscular pode ser a chave para otimizar a recuperação da função muscular e reduzir o risco de lesões. De fato, a recuperação da função muscular deve permanecer o alvo primário de uma intervenção visando o desempenho e a diminuição da lesão.

Estresse competitivo

Disputas competitivas envolvem demandas cognitivas e fadiga mental. A competição de futebol exacerba as respostas de fadiga e estresse ao final do jogo e após.

O pico de estresse psicológico bate com o pico de estresse fisiológico nas primeiras 24, 48 e 72 horas após jogos. Por isso, é importante o atleta descansar a mente e se recuperar fisicamente.

Agora entendemos melhor a pressão física e psicológica de um atleta de futebol, e o motivo de eles reclamarem de ter mais de um jogo na semana. O consenso do Comitê Olímpico Internacional estabeleceu que as partidas de futebol devem ser intercaladas por pelo menos 96 horas para proteger os atletas de lesões. No entanto, essa recomendação muitas vezes não é levada em conta no Brasil.

*Colaboração da fisioterapeuta pela UNIFESP Dra. Renata Luri e Fisioterapeuta especializada em Afecções da Coluna Vertebral Dra. Thais Almeida

Referências:
– Silva, J. R., Rumpf, M. C., Hertzog, M., Castagna, C., Farooq, A., Girard, O., & Hader, K. Acute and Residual Soccer Match-Related Fatigue: A Systematic Review and Meta-analysis. Sports Medicine, 018 Mar;48(3):539-583. doi: 10.1007/s40279-017-0798-8.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.