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Paola Machado

Resistência à insulina promove alterações nas decisões alimentares

Paola Machado

13/02/2019 04h00

Crédito: iStock

A insulina é um hormônio produzido no pâncreas, cuja função é regular o metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas.

A substância promove a absorção de glicose (carboidrato) do sangue, levando-a para o fígado, para o tecido adiposo (gordura) ou para os músculos esqueléticos. Nestes tecidos, a glicose é convertida em glicogênio ou triglicerídeos.

Pessoas que sofrem de diabetes têm problemas no funcionamento adequado da insulina, seja pela falha do pâncreas em produzi-la –como o que acontece no diabetes tipo I ou diabetes infanto-juvenil –, seja pela resistência à insulina, que faz com que as células do corpo não respondam ao hormônio –como o que acontece no diabetes tipo II ou diabetes com início na vida adulta e também na síndrome metabólica, que afeta pessoas sedentárias e com sobrepeso.

A resistência à insulina não é uma condição exclusiva dos portadores de diabetes tipo II. Ela também aparece na obesidade e até mesmo em demências, o que motivou o estudo dos possíveis efeitos da insulina sobre o cérebro.

É possível que o cérebro produza a própria insulina e que a produção inadequada de insulina no cérebro possa afetar o funcionamento deste hormônio em outras partes do corpo. Mas, se a insulina pode ser produzida no cérebro, será que ela teria algum papel ali, ou seja, ela exerceria alguma função na regulação de alguns processos psicológicos? É possível que a resposta seja sim, e vou explicar isso melhor a seguir, com a ajuda do psiquiatra Hélio Tonelli*.

Quando a insulina funciona bem, a glicose, uma importante fonte de energia para a vida, é adequadamente disponibilizada para todas as células do corpo e, como consequência, a vontade de consumir alimentos ricos em energia (calorias) fica regulada. Por isso que pessoas com diabetes têm muita fome. Como elas não produzem insulina (no tipo I) ou não são capazes de fazer a insulina trabalhar adequadamente (no tipo II), a glicose não é disponibilizada para as células, pois acaba ficando na corrente sanguínea. A fome e a vontade de comer alimentos calóricos são estados motivacionais com fortes componentes psicológicos. Eles parecem ser regulados pela insulina e afetados pela resistência insulínica.

Os médicos costumam dizer que a insulina é um hormônio anorexígeno, ou seja, ele promove a saciedade, já que, quando funciona bem, permite que as células sejam adequadamente abastecidas de glicose, o que ativa sinais cerebrais de saciedade. Pois bem, se há falta de insulina ou resistência a ela, o oposto vai ocorrer, com o aumento da fome e do desejo de alimentos palatáveis.

É verdade que pessoas com sobrepeso ou obesidade que sofrem de resistência insulínica comumente apresentam comportamentos alimentares disfuncionais, como uma fome exagerada, vontade de comer alimentos muito calóricos e muita dificuldade para controlar o impulso para consumir este tipo de alimento. Muitas pessoas relatam até mesmo que, quando estão com fome, não conseguem fazer nada a não ser pensar em comer, deixando de se concentrar em suas tarefas cotidianas. Outras falam que a comida parece muito atraente e seu odor, irresistível.

Isso pode ser explicado porque áreas cerebrais importantes parecem sofrer influência da insulina. Receptores para a insulina, estruturas proteicas que permitem a ação da insulina, foram descritos em áreas tão diferentes quanto o hipotálamo –reconhecido como um centro regulador de diversas funções vitais, dentre elas a alimentação –, o córtex frontal –uma região com múltiplas funções, dentre elas, o controle da impulsividade e a mediação de tomadas de decisão –, o hipocampo –uma região relacionada à memória –, o estriado –uma área do cérebro associada ao processamento do prazer e das recompensas — e o giro fusiforme — uma área comumente relacionada ao "tratamento" de imagens, particularmente as de faces humanas, mas não só elas.

A insulina promoveria a saciedade agindo sobre estas regiões. Ela permite com que o hipotálamo responda adequadamente às taxas de glicose no sangue, coordenando a liberação de outros hormônios da saciedade. Ainda aumenta a eficiência com que o córtex pré-frontal controla a impulsividade, adiando o consumo de um determinado alimento muito desejável. Faz com que memórias de refeições muito prazerosas não sejam tão marcantes. Regula a sensação de prazer e de recompensa por meio de suas ações no estriado e até mesmo diminuiu a atratividade de alimentos por meio de suas ações no giro fusiforme.

Quando existe resistência insulínica, estes processos ficam profundamente afetados. O hipotálamo deixa de orquestrar adequadamente a liberação dos muitos hormônios reguladores do comportamento alimentar, podendo favorecer a liberação daqueles que aumentam ainda mais o apetite e a fome.

A resistência à insulina no córtex pré-frontal faz com que seja muito difícil ceder à tentação de comer mais um pedaço daquela torta ou daquele chocolate, ou pode comprometer as decisões alimentares, favorecendo o consumo de alimentos muito calóricos quando eles já não são mais necessários fisiologicamente.

As lembranças de alimentos e refeições muito prazerosas se tornam mais salientes e acabam por afetar tomadas de decisão alimentares, por conta da resistência insulínica no hipocampo. Esta região do cérebro também está relacionada à navegação e orientação espacial, e estudos com ratos mostram que quando estes animais estão obesos e sofrem de resistência insulínica no hipocampo eles são muito mais eficientes em descobrir comida em complexos labirintos experimentais. Quando a resistência insulínica afeta o estriado, o prazer alimentar consumatório e o antecipatório ficam exacerbados, fazendo com que comer um chocolate passe a ter um caráter absurdamente prazeroso, e esperar por uma refeição apetitosa ganhe uma dimensão hedônica incomum. Por fim, a resistência insulínica pode afetar a produção de imagens de alimentos no cérebro, tornando-as muito mais coloridas e atraentes.

A resistência insulínica explica as razões pelas quais obesos costumam apresentar estados mentais peculiares relacionados ao consumo de alimentos. As pesquisas acerca do papel neuropsicológico da insulina ainda estão apenas no início, mas vão auxiliar em muito na elucidação de novos tratamentos para a obesidade e para o fim de atitudes preconceituosas que muitos de nós temos em relação à obesidade. Uma delas é a de que esforço e força de vontade seriam suficientes para garantir o sucesso de uma dieta hipocalórica. Será?

*Colaboração do Dr. Hélio Tonelli, psiquiatra, pesquisador na interface obesidade e comportamento.

Referências:
– Geijselaers SL, Sep SJ, Stehouwer CD, Biessels GJ. Glucose regulation, cognition, and brain MRI in type 2 diabetes: a systematic review. Lancet Diabetes Endocrinology. 2014; 3(1):75-89. doi: 10.1016/S2213-8587(14)70148-2. PubMed PMID: 25163604.
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– Biessels GJ, Reagan LP. Hippocampal insulin resistance and cognitive dysfunction. Nature Reviews. Neuroscience. 2015; 16(11): 660-71. doi: 10.1038/nrn4019 PubMed PMID: 26462756.
– Kleinridders A, Cai W, Cappellucci L, Ghazarian A, Collins WR, Vienberg SG, Pothos EN, Kahn CR. Insulin resistance in brain alters dopamine turnover and causes behavioral disorders.
– Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. 2015; 112(11):3463-8. doi: 10.1073/pnas.1500877112. PubMed PMID: 25733901; PubMed Central PMCID: PMC4371978.
– Kullmann S, Heni M, Hallschmid M, Fritsche A, Preissl H, Häring HU. Brain Insulin Resistance at the Crossroads of Metabolic and Cognitive Disorders in Humans. Physiology Reviews. 2016; 96(4):1169-209. doi: 10.1152/physrev.00032.2015. PubMed PMID: 27489306.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.