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Paola Machado

Após quantos dias sem treinar eu começo a ficar fora de forma?

Paola Machado

22/04/2019 04h00

Crédito: iStock

Mesmo para quem tem a atividade física como parte consolidada da rotina, é normal ficar um tempo sem treinar em algum momento da vida –seja por uma viagem de férias, seja por uma gripe, seja por exigências profissionais.

Mas após quantos dias sem fazer exercícios você começa a "perder" os ganhos físicos que levou meses (ou anos) para conquistar?

Não existe uma regra e isso varia de pessoa para pessoa, mas a seguir mostro algumas perdas que ocorrem com o destreinamento –só não confunda parar de treinar com dias de descanso, ok?

Em pessoas treinadas

– Redução de força e resistência muscular

A maioria das pessoas começa a reduzir a força cerca de duas a três semanas após o período de inatividade. Mas isso depende muito do motivo pelo qual você precisou fazer esse intervalo. Por exemplo: se parou por conta de uma doença,  lesão ou estafa, você começará a perder força depois de duas a três semana. Agora, se ficou sem treinar por causa de uma viagem, férias, etc., sem nenhum motivo de saúde, essa redução de força pode demorar até cinco semanas.

Uma revisão publicada no Medicine and Science in Sports and Exercise analisou corredores, remadores e atletas de potência e mostrou que as fibras de força muscular parecem não mudar mesmo após um mês de inatividade. Entretanto, embora a força geral não mude muito nesse período, fibras musculares específicas para determinados esportes começam a mudar em apenas duas semanas sem treino. Por exemplo, atletas de resistência perdem uma quantidade significativa de fibras musculares de contração lenta e atletas de força reduzem significativamente suas fibras musculares de contração rápida.

O corpo trabalha para manter a força enquanto pode, mas habilidades que são muito especializadas para certos esportes irão diminuir mais rapidamente. Porém, se houver a treinabilidade, ou seja, se é uma pessoa que treina com comprometimento durante meses consecutivos, nada como a memória muscular para restabelecer o condicionamento assim que você retornar ao treino.

– Capacidade aeróbica 

Agora, falando em condicionamento cardiovascular e respiratório, estudos mostram que essa capacidade diminui muito mais rapidamente do que a força. Você nunca percebeu que quando fica muito tempo sem treinar, mesmo praticando há anos corrida, se torna mais custoso subir um lance de escadas?

Para você ter uma ideia, um estudo com ciclistas descobriu que quatro semanas de inatividade resultam em uma redução de 20% do VO2 max, que mede a capacidade máxima de uma pessoa de receber, transportar e utilizar oxigênio durante o exercício. Os resultados foram evidentes também em um outro estudo, que descobriu que, após 12 dias de inatividade, o VO2 max caiu em 7% e as enzimas no sangue associadas ao desempenho de resistência diminuíram em 50%.

Mas, por incrível que pareça, por mais que perca mais rapidamente o condicionamento cardiovascular, é muito mais fácil e rápido recuperá-lo, em comparação à força muscular.

Iniciantes

– Redução de força

Em um estudo, pessoas que não eram treinadas começaram um treino e fizeram uma pausa de três semanas no meio de um programa de 15 semanas de um exercício de supino. Os voluntários que interromperam a atividade física terminaram a pesquisa com níveis de força semelhantes aos daqueles que não fizeram a pausa. Já um outro estudo mostrou que seis meses depois de abandonar um programa de treinamento de força de 4 meses, houve ainda a manutenção de 50% do ganho de força.

Vale explicar também que entre os iniciantes a força excêntrica, isto é, a força usada para alongar a musculatura (fase de "relaxamento" do movimento), pode ser mais difícil de perder do que a força concêntrica, que é quando o músculo é contraído. Um estudo com 13 homens não treinados descobriu que, três meses após o término de um programa de treinamento de três meses, eles mantiveram seus ganhos de força excêntrica, mas não sua força concêntrica.

O que é importante ressaltar é que, comparado a pessoas treinadas, iniciantes têm uma probabilidade menor de perder significativamente a força em um período de "folga" dos treinos, já que as conquistas também são pequenas. Enquanto os treinados estão com o nível de treino mais avançado, os iniciantes estão em um processo de adaptação.

– Capacidade aeróbica 

Como nos treinados, o cardio é um pouco mais sensível ao tempo de folga. Um dos melhores estudos sobre os efeitos do destreinamento sobre ganhos de aptidão descobriu que os ganhos de VO2 max que foram feitos nos últimos dois meses são completamente perdidos após quatro semanas de inatividade.

Vale lembrar que há variáveis que devem ser levadas em consideração, como a idade, o gênero etc. Um estudo mostrou que, quando comparados a pessoas com 20 e 30 anos, os idosos perderam força quase duas vezes mais rapidamente do que pessoas mais novas durante um período de "destreinamento" de seis meses.

E, novamente, o motivo da pausa no treino é um fator importante. Quando os cientistas injetaram em voluntários inativos hormônios que imitavam o estresse de trauma ou doença, eles tiveram uma diminuição de 28% na força em 28 dias –uma taxa maior que a média.

Dicas para não perder o condicionamento

Independentemente de tudo o que foi exposto aqui, tenho que reforçar que é difícil manter anos após anos a rotina de treino sem uma pausa. Se isso acontecer, siga as dicas abaixo.

  • Não pare de fazer aeróbico, mesmo que leve Não deixe de caminhar e manter uma rotina ativa, mesmo que não veja isso como um treino. Como falei, o condicionamento aeróbio é o mais fácil de reduzir; por isso, caminhadas na praia ou mesmo ao ar livre papeando com um amigo sempre são uma boa saída.
  • Incorpore algum treinamento de resistência Há muitas razões para fazer uma pausa, mas se você tiver uma lesão localizada, por exemplo, no tornozelo, não a use como desculpa para interromper completamente o exercício, pois você pode realizar exercícios de força e resistência nos membros superiores. Se não for possível por alguma razão, opte por exercícios funcionais ou com o peso do corpo.
  • Não avacalhe na alimentação Não é porque está de férias ou mesmo parou de treinar por algum motivo que você vai desandar na alimentação. Evite alimentos muito calóricos, junk foods, alimentos industrializados. Opte por uma alimentação equilibrada e distribua a alimentação no seu dia de forma apropriada para evitar sobrecarregar refeições.
  • Foque em voltar a treinar Se você não conseguir treinar por alguma lesão, não se sinta culpado. Se esforce para se recuperar, despenda energia para sua recuperação e tenha paciência.
Referências:
– Bruusgaard J.C.; et al. Myonuclei acquired by overload exercise precede hypertrophy and are not lost on detraining. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 2010 Aug 24;107(34):15111-6.
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Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.