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Paola Machado

Como mudamos o comportamento alimentar do Carioca?

Paola Machado

14/06/2019 04h00

Crédito: Reprodução/Instagram @carioca

Você acorda diariamente e segue o mesmo ritual de sempre? Fazendo tudo de maneira muitas vezes mecânica, dentro de um padrão já pré-estabelecido? Tomar banho, pentear o cabelo, ler o jornal… Pois é, provavelmente estejamos falando de alguns de seus hábitos diários. Mas o que é um hábito? Se formos buscar o significado desta palavra em algum dicionário, encontraremos que: hábito é "ação ou uso repetido que leva a um conhecimento ou prática" portanto, ele tem o poder de imprimir um determinado padrão ou comportamento, concordam?

Será que com a nossa alimentação acontece algo tão diferente, ou será que na maioria das vezes fazemos as coisas no "piloto automático" na hora das refeições, permanecendo tão preocupados com o que precisamos fazer no trabalho, na escola, com os horários e nos esquecemos de "olhar" com o que estamos alimentando o nosso corpo?

No trabalho da metodologia da clínica 12 semanas, trabalhar as questões alimentares do Marvio — Carioca — foi bastante desafiador; a falta de rotina, preferências alimentares por processados, embutidos e falta de tempo, ou seja, pouco tempo e pouca "reflexão" sobre as suas escolhas alimentares; muito impulso e pouca calma na hora de sentar-se a mesa e mastigar os alimentos atentamente, percebendo novos sabores, texturas e aromas, sem muitas vezes se permitir descobrir que comer pode ser saudável, e ao mesmo tempo gostoso.

Estamos tão acostumados a ouvir que este ou aquele alimento faz mal, engorda, sobrecarrega aquele ou outro órgão qualquer que esquecemos de olhar o aspecto positivo que podemos conseguir com uma alimentação mais consciente, equilibrada, atenta e acolhedora. Em nosso primeiro bate papo estes seriam alguns dos fatores que precisariam de uma atenção especial.

Após uma primeira conversa sem tempo para acabar, leve, descontraída, num ambiente aconchegante, conversamos sobre a sua rotina, sobre alimentos — que ele gosta, não gosta, de suas alergias e intolerâncias –, e também sobre as suas memórias afetivas e como elas poderiam estar interligadas ao seu estilo de vida e escolhas alimentares; percebemos também que o camarim tinha a necessidade de passar por ajustes, como salgadinhos, refrigerantes, pãezinhos, algumas poucas frutas, assados.

Durante todo este processo de mudança no comportamento alimentar, é muito importante ouvir quais foram as experiências que contribuíram para que os hábitos atuais se cristalizassem, assim como alinhar as expectativas do paciente as suas necessidades. Impossível fazer isto sem conversar com os demais profissionais da equipe para alinhar os objetivos da intervenção, e foi o que fizemos; após a anamnese nutricional, clínica e esportiva, foram estabelecidos objetivos a curto e médio prazo pensando também em seu bem-estar físico e mental.

Falando ainda sobre algumas estratégias utilizadas na abordagem nutricional, um dos principais aspectos foi identificar o grau de motivação e o quanto ele estaria disposto a investir nesta intervenção; como resultado encontrei uma pessoa muito motivada e com muita vontade de mudar… A partir daí, comecei um trabalho de "escuta ativa", ou seja, escutar de fato um pouco das experiências que ele foi construindo com o alimento ao longo da vida.

Perceber o perfil do seu cliente, do que gosta, o que o motiva é super importante para que tenhamos uma adesão ao programa, que certamente terá altos e baixos, momentos de sucessos e pontos a serem melhorados. Descobri que tinha em minha frente uma pessoa que gostava de desafios, o que norteou o início da abordagem, pois montei como se fosse um jogo de tabuleiro para caminharmos durante o processo, ultrapassando desafios e obstáculos, para atingir o objetivo final (que talvez seja parcial agora).

Muitos são os caminhos que podem ser tomados no processo de emagrecimento, mas auxiliar o paciente a desenvolver o seu auto controle, a sua autonomia e a capacidade de olhar para a sua alimentação de forma consciente, identificando as escolhas acertadas e aquelas que podem ser melhoradas, sabendo como tomar o caminho certo, certamente são ferramentas que auxiliam a concretizar um novo e mais saudável estilo de vida, tendo por consequência o emagrecimento.

O emagrecimento consiste na melhora de composição corporal e redução no percentual de gordura, portanto dietas malucas, restritivas e pouco inclusivas dificilmente promoverão resultados satisfatórios; novamente é preciso conversar sobre o impacto negativo que estas "fórmulas mágicas" podem ocasionar em nosso metabolismo, sem contar nas inúmeras frustrações que podem provocar.

Após esta avaliação inicial realizei os cálculos para saber a sua real necessidade calórica, de macro e micronutrientes (vitaminas e minerais), e comparei com o consumo habitual (para termos um parâmetro inicial), vislumbrando a possibilidade de uma redução calórica de 500 calorias diárias, o que ocasionaria redução de peso de cerca de 0,5 Kg por semana. Além da restrição calórica, priorizou-se essencialmente a melhora na qualidade da alimentação, mais até do que a redução calórica.

A proporção dos nutrientes aconteceu dentro das recomendações tradicionais, mas valorizei o consumo de alimentos fonte de magnésio, fibra solúvel e óleos essenciais, principalmente no período noturno em que o Marvio tinha maior dificuldade em controlar o que comia. Aumentar o número de refeições, em volume alimentar controlado, também pode ser uma estratégia bem vinda… Tínhamos no cardápio: avocado, castanhas, aveia e demais farelos, frutas para exaltar o sabor adocicado que tanto o agrada, iogurtes desnatados enriquecidos com kefir; tudo isto foi pensado e prescrito de forma estratégica, com feedbacks diários e ajustes feitos de forma dinâmica e individualizada.

Para que o platô não acontecesse, fizemos algumas alterações na proporção entre carboidratos e proteínas (mas não dietas cetogênicas) por volta da 6ª semana, para gerarmos novos estímulos metabólicos, e assim uma nova maneira de responder ao emagrecimento.

Trabalhamos constantemente a percepção e a diferenciação entre as sensações de fome e saciedade, e não caracterizamos os alimentos em bons ou ruins, mas sim em escolhas mais adequadas e aquelas que devem ser substituídas.

Ainda estamos no processo, Marvio está começando a descobrir prazer no alimento; está fazendo pães, introduziu o kefir, prefere os carboidratos integrais, reduziu o açúcar e está sentindo os benefícios. Estas são algumas (e bem pontuais) mudanças já alcançadas, mas ainda temos muito a trabalhar, porém certamente a sementinha do bem-estar e da consciência já foram plantados. Vamos sempre em frente.

*Colaboração da nutricionista comportamental, clínica 12 semanas, e pesquisadora pela UNIFESP Dra. Samantha Rhein.

Agradecimentos
Clínica 12 semanas
Nutricionista Dra. Samantha Rhein
– Profissional de educação física Dr. Leandro Fernandes
Referências:
– Alvarenga, M. Figueiredo, M. Timerman, F. Antonaccio, C. Nutrição Comportamental. Ed Manole, 2016.
– American College Os Sports Medicine. Appropriate Physical Activity Intervention Strategies for Weight Loss and Prevention of Weight Regain for Adults, 2009.
– Associação Brasileira para Estudos de Obesidade e Sindrome Metabólica (ABESO). Diretrizes Brasileiras de Obesidade, 2016.
– Obes Facts. An EASO Position Statement on Multidisciplinary Obesity Management in Adults. 2014;7:96–101.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.