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Paola Machado

Fazer exercícios leva você a escolher melhor os alimentos e emagrecer?

Paola Machado

02/03/2020 04h00

Crédito: iStock

Já não é novidade para ninguém que o exercício traz diversos benefícios à saúde. Assim, a prática regular de exercícios físicos é amplamente recomendada como estratégia para controle do peso e melhora de composição corporal. Sempre estudamos a relação exercício e alimentação como melhora da saúde.

Agora, pesquisadores têm avaliado que, além dos possíveis efeitos no peso corporal devido ao gasto energético que a atividade física proporciona, o treinamento físico melhora os marcadores do controle do apetite, como aumento da resposta de saciedade ao esvaziamento gástrico. Ou seja, malhar ajuda você a escolher melhor (a qualidade e quantidade) os alimentos e, consequentemente, emagrecer.

Um novo estudo da Universidade de Leeds,  publicado no final do ano passado pelo Medicine Science in Sports and Exercise, mostrou que tanto homens quanto mulheres que iniciaram um programa de exercícios estruturado melhoravam as escolhas alimentares e conseguiam se controlar quando se deparavam com alimentos de alto teor calórico. O estudo sugere que praticantes iniciantes sentem-se mais dispostos a mudar de fato e permanecer nessa mudança.

Em termos de características do comportamento alimentar, estudos anteriores mostraram que, com a perda de peso induzida pelo exercício, as mudanças alimentares foram mais fáceis quando associadas a maior perda de peso, além de reduzir a desinibição em indivíduos com sobrepeso e obesidade. Uma revisão sistemática recente sugeriu que a atividade física pode reduzir a compulsão alimentar por meio de possíveis efeitos da atividade física no sistema de recompensa, pois eles podem compartilhar vias cerebrais semelhantes.

Outros mecanismos propostos incluem alterações no afeto negativo, controle do apetite homeostático e/ou composição corporal e poucos estudos avaliaram o impacto do treinamento físico sobre recompensa alimentar e comportamentos alimentares juntos. Um outro estudo encontrou reduções nas respostas neuronais a sinais visuais de alimentos usando imagens de ressonância magnética funcional, mas nenhuma alteração na restrição ou desinibição após uma intervenção de exercício de 6 meses.

Assim, características de consumo excessivo e estados de recompensa alimentar interagem com o conteúdo de gordura dos alimentos com o potencial de melhorar ou prejudicar o controle do apetite. A desinibição e a compulsão alimentar têm sido associadas a uma maior ingestão e preferência por alimentos com alto teor de gordura ou alto teor de gordura/doce. De fato, mostramos anteriormente que a recompensa alimentar foi reduzida após o consumo de uma refeição com baixo teor de gordura e energia fixa, mas não após uma refeição com alto teor de gordura e energia combinada.

O que deve sempre estar claro é que existe uma grande variabilidade na resposta interindividual à perda de peso para intervenções de exercícios, sendo que esta variabilidade sugere que alguns indivíduos podem compensar um aumento da atividade física (e gasto energético) por meio de aumento no tamanho da refeição, frequência ou escolha de alimentos, atenuando ou até revertendo o efeito do exercício sobre a perda de peso — o que chamamos de recompensa da atividade física.

A recompensa alimentar também é potencialmente influenciada pela atividade física, mas as evidências são inconsistentes e os resultados até o momento oferecem evidências limitadas do impacto dos exercícios sobre recompensa alimentar.

O novo estudo

O estudo mostra que pessoas diferentes respondem de maneira bastante diferente à mesma rotina de exercícios e aos mesmos alimentos, ressaltando as complexidades da relação entre exercício, alimentação e perda de gordura.

  • Os pesquisadores recrutaram 61 voluntários, a maioria deles adultos, sedentários com sobrepeso ou obesidade. Os participantes do estudo concluíram questionários detalhados e testes online de suas preferências e comportamentos alimentares, escolhendo, por exemplo, entre fotos rápidas e na tela de diferentes alimentos e também respondendo perguntas sobre compulsão alimentar.
  • Quinze dos voluntários foram então solicitados a continuar com suas vidas normais como um grupo de controle, enquanto os outros 46 começaram a se exercitar cinco vezes por semana, durante cerca de 45 a 60 minutos ou até gastar 500 calorias por sessão. Eles continuaram esse treinamento por 12 semanas, ingerindo alimentos da sua escolha em casa.
  • Todos voltaram ao laboratório para pesagem e repetir os testes originais. A maioria dos praticantes de exercícios, mas não todos, havia perdido alguns quilos, enquanto alguns no grupo controle ganharam peso.
  • Os homens e mulheres no grupo controle também mostraram pouca alteração em seus sentimentos em relação à comida. Mas as reações dos praticantes a fotos e perguntas sobre alimentos gordurosos e com alto teor calórico eram novas, pois eles não os achavam mais tão irresistíveis. Em termos psicológicos, eles mostraram menos "desejo" para os alimentos que engordam.
  • As pontuações nas medidas de "gostar", ou quanto esperavam desfrutar desses mesmos alimentos, permaneceram inalteradas e fortes. Ainda sentiam que teriam prazer em comer um biscoito, mas não sentiram o mesmo desejo de procurar por um. Eles também relataram menos casos de compulsão alimentar recente.
  • De acordo com os pesquisadores, as pessoas ainda gostavam de alimentos com alto teor de gordura, após quatro meses de treinamento, mas eles queriam comê-los menos, o que consideraram um resultado favorável.

O que podemos concluir…

Como um todo, esses resultados sugerem que, além de nos tornar mais saudáveis, o exercício pode melhorar a recompensa alimentar e as características do comportamento alimentar associadas à suscetibilidade ao consumo excessivo. Porém, acredito que há inúmeros viéses no estudo, como o pequeno número de voluntários, não monitorar o que seus voluntários realmente optaram por comer em casa e se de fato haverá mudança no estilo de vida ao longo dos anos.

Sempre creio que não podemos tratar do nosso organismo de forma unidirecional. Existem vários processos que ocorrem simultaneamente, principalmente quando se trata do controle da obesidade, que é uma patologia crônica, inflamatória de causa multifatorial. Já falei aqui sobre a relação de balanço energético —que é supercomplexa e sempre deve estar em equilíbrio —, a influência do córtex pré-frontal, influências emocionais e muito mais.

Não existe um fator que nos faz engordar. E, sim, vários. As escolhas são sempre consequências de uma cascata de causas. O estudo é um grande passo para entendermos como podemos melhorar nossas escolhas alimentares — ou não —, já que temos muitos relatos clínicos da recompensa associada ao treino e também do perfil evasivo de um grande número de pessoas — que é claro que pessoas que estão em "dietas malucas", por exemplo, vivem "em dieta" e buscando novas estratégias.

O que deve estar claro é fazer exercício e se alimentar bem deve ser uma rotina –que exige mudança na forma de pensar. Você deve deixar de jogar o objetivo para o teto, de forma inatingível, e criar metas pequenas. Exemplo, para que planejar treinar 7 vezes por semana por quinze dias se você pode manter 3 vezes por semana para a vida toda?

Como o estudo é recente, temos que ver a questão do follow-up, ou seja, será que daqui a 10 anos essas pessoas continuarão com essas escolhas? Será que elas ainda estarão fazendo exercício?

A ciência abre espaço para mais uma relação e seus debates. Porém, ainda está muito cedo para afirmar qualquer achado. O que é importante é colocar na balança como você reage a certas mudanças e quais as suas escolhas. Quando as fazemos de forma consciente, tudo tende a mudar.

Referências:
– Bryant EJ, Caudwell P, Hopkins ME, King NA, Blundell JE. Psycho-markers of weight loss. The roles of TFEQ Disinhibition and Restraint in exercise-induced weight management. Appetite. 2012;58(1):234-41.
– Blanchet C, Mathieu ME, St-Laurent A, Fecteau S, St-Amour N, Drapeau V. A Systematic Review of Physical Activity Interventions in Individuals with Binge Eating Disorders. Curr Obes Rep. 2018;7(1):76-88.
– Beaulieu K, Hopkins M, Gibbons C, Oustric P, Caudwell P, Blundell J, Finlayson G. EXERCISE TRAINING REDUCES REWARD FOR HIGH-FAT FOOD IN PEOPLE WITH OVERWEIGHT/OBESITY. Med Sci Sports Exerc. 2019 Nov 15. doi: 10.1249/MSS.0000000000002205. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 31764466.
– Cornier MA, Melanson EL, Salzberg AK, Bechtell JL, Tregellas JR. The effects of exercise on the neuronal response to food cues. Physiol Behav. 2012;105(4):1028-34.
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– Drewnowski A, Almiron-Roig E. Human Perceptions and Preferences for Fat-Rich Foods. Montmayeur JP, le Coutre J, editors. Boca Raton (FL): CRC Press/Taylor & Francis; 2010. 
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– MOTA, Gustavo R. da  and  ZANESCO, Angelina. Leptin, ghrelin, and physical exercise. Arq Bras Endocrinol Metab [online]. 2007, vol.51, n.1, pp.25-33. ISSN 1677-9487.  https://doi.org/10.1590/S0004-27302007000100006.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.