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Paola Machado

Por que coronavírus é mais perigoso para quem tem diabetes?

Paola Machado

18/03/2020 04h00

Crédito: iStock

  • Nota da autora: em decorrência de novos estudos, a hipótese de que medicamentos que bloqueiem o sistema renina angiotensina, amplamente usados em doenças que frequentemente acompanham o diabetes tipo 2, como a hipertensão, poderiam ser maléficos para pacientes que se infectam com covid-19 passa a ser questionada e alterada. A nova hipótese é de que esses medicamentos tenham efeito benéfico na infecção. Evidências pré-clínicas mostram que o bloqueio do sistema renina angiotensina reduz a progressão da covid-19. Estudos em 2005 mostraram que ratos tratados com losartana (a qual bloqueia o sistema renina angiotensina) tiveram redução da lesão pulmonar após aspirarem uma proteína do SARS-CoV.  Precisamos de mais estudos robustos para responder a dúvida em relação ao coronavírus e tais fármacos: se há malefício ou benéfico ou se são neutros na infecção. O que temos certeza no momento é que não se deve suspender tais medicações, visto os inúmeros benefícios nos pacientes diabéticos, como a redução de eventos cardiovasculares. Sempre converse com seu médico! (Atualizado em )4/05/2020)

A primeira morte no Brasil por causa do coronavírus foi de um paciente acima de 60 anos, que sofria de hipertensão e diabetes.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) já havia elencado que idosos e indivíduos com essas comorbidades estão no grupo de risco e podem desenvolver casos mais graves de covid-19.

O Journal of American Medical Association (JAMA) relata uma taxa mais alta de mortalidade por casos entre aqueles com as seguintes condições pré-existentes:

  •  10,5% para doenças cardiovasculares
  •  7,3% para diabetes
  •  6,3% para doença respiratória crônica
  • 6,0% para hipertensão
  • 5,6% para câncer

No caso do diabetes, as pessoas com a doença enfrentam maiores riscos de complicações ao lidar com infecções de uma maneira geral, e isso provavelmente ocorre com a covid-19.

De acordo com a endocrinologista da Unifesp Dr. Lian Tock, "primeiro precisamos ver se o diabético esta com medicação adequada. Se sim, este paciente está metabolicamente equilibrado e com as defesas imunológica ok. Mas infelizmente o diabético que não tem controle adequado do problema, como se trata de uma doença crônica, altera toda a parte metabólica do seu  organismo, levando a problemas cardiovasculares, alteração renal, alteração oftalmológica, ou seja, um organismo em estresse metabólico, afetando a defesa imunológica. Qualquer doença crônica faz com que as defesas do corpo fiquem comprometidas e impede que o nosso sistema imunológico atue com eficácia".

O fato é que com níveis de glicemia altos temos uma resposta imune mais baixa, levando a uma menor proteção contra doenças. Então esses indivíduos correm um risco maior de ficarem doentes  e imunossuprimidos. No entanto, para o diabético, seja tipo 1, seja tipo 2, com bom controle glicêmico, o risco é bem menor. 

Outra hipótese para pessoas com diabetes terem maior risco é que, de acordo com publicação recente do JAMA, os coronavírus se ligam às células-alvo por meio da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2), que é expressa ("liberada") pelas células epiteliais do pulmão, intestino, rins e vasos sanguíneos.

Medicamentos usados nas doenças que acompanham com frequência diabetes tipo 2 aumentam a expressão da ECA2, o que facilitaria a infecção por coronavírus. No entanto, até o momento, as sociedades brasileira de diabetes e de cardiologia reforçam que o tratamento deve ser mantido, conforme as diretrizes, pois não há evidências do efeito negativo dessas classes medicamentosas no contexto da covid-19.

Vale reforçar que todas as investigações são recentes pois trata-se de uma doença nova e, pensando em ciência, tudo pode mudar.

Pacientes mais vulneráveis

De acordo com comunicado recente da Sociedade Brasileira de Diabetes, "as pessoas com diabetes vulneráveis e que provavelmente terão resultados piores se contraírem covid-19 são aquelas com:

  • Longa história de diabetes
  • Mau controle metabólico
  • Presença de complicações e doenças concomitantes
  • E especialmente os idosos, independentemente do tipo de diabetes.

Como falei, o risco de complicações na pessoa com diabetes bem controlado é menor, tanto para o diabetes tipo 1 quanto para o tipo 2. Por isso, é essencial estar com um bom controle glicêmico, o que implica em uma hemoglobina glicada dentro do alvo estipulado pelo seu médico (lembrando que a meta do valor da hemoglobina glicada é individualizado e existem patologias que falseiam esse valor, como as anemias).

Como o controle glicêmico é a chave para o sucesso, monitorar frequentemente sua glicemia e ajustar medicações em geral ou insulinas – sempre com orientação médica – pode prevenir complicações não apenas desta nova virose como também do próprio diabetes."

 

Você deveria estocar suprimentos para diabetes?

No momento, a Sociedade Brasileira de Diabetes não recomenda a compra para estoque de insulinas, canetas, cateteres ou cânulas de bomba por receio de falta de material. Também não recomenda qualquer tratamento para aumentar a imunidade. A SBD estará disponível para esclarecer qualquer dúvida em seu site e vigilante a atualizar os informes para as pessoas com diabetes, caso seja necessário. 

Pensando nessa população, é importante se programar e se planejar, mas não acabar com os estoques que existem. Quando as pessoas sofrem de patologias que dependem de medicamentos para o tratamento, temos que nos conscientizar do quanto estamos vulneráveis e  dependentes da fabricação e distribuição ininterruptas de suprimentos de monitoramento de glicose, insulina e  medicações orais  que sustentam a vida e, sem eles, pode haver um sério dano a saúde. 

Se programe como já faz e não se esqueça do monitoramento de glicose. Fique alinhado com seu médico para que ele te dê orientações e assistência necessária para superar o que está por vir.

*Colaboração dos endocrinologistas Dra. Ana Mari David Fernandes (IAMSPE CRM 163138), Dra. Sthefanie Pallone (UNIFESP CRM 188219), Dr. Lian Tock (UNIFESP).

Referências:
– Zunyou Wu, MD, PhD; Jennifer M. McGoogan, PhD. Characteristics of and Important Lessons From the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China. Summary of a Report of 72 314 Cases From the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. Published online February 24, 2020. doi:10.1001/jama.2020.2648.
CDC. Centers for Disease Control and Prevent.
OMS. Organização Mundial de Saúde.
– American Diabetes Association: Standards of Medical Care in Diabetes. Diabetes Care 39: Supplement 1: S1–S119, 2016.
– Are patients with hypertension and diabetes mellitus at increased risk for COVID-19 infection?  www.thelancet.com/respiratory Published online March 11, 2020 https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30116-8
– Yang X, Yu Y, Xu J, et al. Clinical course and outcomes of critically ill patients with SARS-CoV-2 pneumonia in Wuhan, China: a single-centered, retrospective, observational study. Lancet Respir Med 2020; published online Feb 24. https://doi.org/10.1016/S2213- 2600(20)30079-5.
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–  Li XC, Zhang J, Zhuo JL. The vasoprotective axes of the renin-angiotensin system: physiological relevance and therapeutic implications in cardiovascular, hypertensive and kidney diseases. Pharmacol Res 2017; 125: 21–38.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.