Pessoas com transtornos alimentares têm risco de recaída durante isolamento
Nas últimas semanas, a doença covid-19 se expandiu dramaticamente em todo o mundo. Para limitar a difusão do coronavírus, propostas foram estabelecidas, como a suspensão de aulas em escolas e universidades, redução do fluxo de pessoas nas ruas, ou seja, somente os serviços essenciais continuam ativos e, dessa forma, as pessoas estão cada dia mais em casa para contermos a proliferação do vírus e –por ele ter um forte alastramento– evitar a sobrecarga dos sistemas de saúde.
Uma revisão feita pelo The Lancet no mês de fevereiro de 2020 em Londres, avaliou 24 estudos sobre o impacto psicológico da quarentena. A maioria dos estudos relatou efeitos psicológicos negativos, incluindo sintomas de estresse pós-traumático, irritabilidade, ansiedade e sinais de confusão. Não é novidade que isso de fato esteja acontecendo –falo por mim, pelos meus familiares e colegas. Os grupos do WhatsApp viraram lugar de intensa discussão e, em casa, farelos de pão na mesa viraram motivos de estresse.
O estudo mostra que os estressores incluíram:
- Duração da quarentena.
- Incerteza.
- Medo de infecção.
- Frustração e tédio.
- Suprimentos inadequados.
- Informações inadequadas —a OMS mesmo disponibilizou um texto sobre INFODEMIC.
- Medo da economia e perda de dinheiro.
- Estigmas.
Vale ressaltar que crianças e adolescentes mostram-se em risco de transtorno de estresse pós-traumático, de acordo com a revisão.
De acordo com pesquisadores da revisão, pessoas com distúrbios alimentares têm alto risco de recidiva –exemplo de pessoas que já estavam controladas– ou piorar a gravidade de seu distúrbio, devido a medos e ansiedade. Reforço também que pessoas sem nenhum tipo de transtorno anterior podem desenvolver períodos compulsivos correlacionando estresse à alimentação.
O medo tende a aumentar a sensação de não estar no controle que, em pessoas com distúrbios alimentares, geralmente é gerenciado com um aumento de condutas, supervisão e orientação para controle dos episódios de compulsão alimentar.
Por outro lado, a quarentena pode criar a restrição de movimento, que pode contribuir para a manutenção da psicopatologia do transtorno alimentar por meio de vários mecanismos, como por exemplo:
- A possibilidade limitada de caminhar e se exercitar pode aumentar o medo de ganho de peso geralmente abordado, acentuando a restrição alimentar —reforço que estou fazendo lives de treinos sem equipamentos no meu Instagram todos os dias as 19h e deixo por 24 horas até a próxima.
- A exposição a altos suprimentos alimentares em casa pode ser um potente desencadeador de episódios de compulsão alimentar naqueles com esse tipo de distúrbio alimentar.
- A convivência fechada e prolongada com familiares pode desencadear ou acentuar dificuldades interpessoais que podem contribuir para a manutenção da psicopatologia do transtorno alimentar.
- Ficar em casa pode aumentar o isolamento social, uma característica comum associada a transtornos alimentares e criar um obstáculo importante para melhorar o funcionamento interpessoal: um objetivo fundamental para reduzir a supervalorização da forma e do peso e seu controle. Além disso, esse isolamento impede a pessoa de abordar expressões importantes, mantendo a psicopatologia do transtorno alimentar –ou seja, evitar a alimentação social e a exposição do corpo.
- Em pessoas com transtornos alimentares e outras condições concomitantes, como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno pós-traumático e transtorno por uso de substâncias, a preocupação e a ansiedade desencadeadas pela pandemia da covid-19 podem acentuar a severidade da condição que frequentemente interage negativamente com a psicopatologia do transtorno alimentar.
- As pessoas com baixo peso e com distúrbio alimentar têm maior risco de complicações médicas associadas à desnutrição e, embora não os pesquisadores não tenham dados, elas podem estar em maior risco físico no caso de uma infecção por coronavírus.
Não há soluções fáceis para os problemas acima. No entanto, é possível manter a entrega de tratamentos psicológicos usando a tecnologia online com algumas adaptações –nossos conselhos tomaram medidas oportunas de atendimentos online, mostrando um passo importante da tecnologia na saúde.
Diagnóstico
Para o diagnóstico do transtorno deve-se investigar a ocorrência de episódios de compulsão pelo menos duas vezes por semana nos últimos seis meses. Além disso, deve estar associado com características de perda de controle e não estar acompanhando de mecanismos compensatórios para controle de peso.
Estes são os critérios fixos para o diagnóstico, que deve ser realizado por um profissional de saúde e uma equipe multi e interdisciplinar, com avaliação médica –clínica e/ou psiquiátrica–, psicológica e nutricional.
Devem ser observados outros grupos de sintomas, neste caso, deve-se identificar a presença de, pelo menos, três indicadores de perda de controle como:
- Se alimentar até sentir-se repleto ou, até, desconfortável;
- Se alimentar mais rapidamente do que o normal;
- Se alimentar sozinho ou escondido devido ao constrangimento;
- Ingerir muitos alimentos sem estar sentindo fome;
- Sentir-se triste, envergonhado ou culpado após o episódio de compulsão.
Medidas imediatas e práticas para amenizar o problema
Se você notar alguns desses sinais e sintomas, é necessário procurar imediatamente um profissional para auxiliá-lo no tratamento e nas melhores escolhas. Antes de entrar nesses detalhes, há estratégias imediatas que irei pontuar para que comece desde já a amenizar esses picos compulsivos:
– Diferencie a fome fisiológica da vontade emocional: Quando está com fome, você quer comer um chocolate ou um prato de arroz e feijão? Quando sentimos fome é fácil de notar. O estômago avisa, começa a roncar, a tontura chega. Comeu comida de verdade, tudo melhora. Já aquela vontade: "Estou com fome não sei o motivo, não sei do que" ou "Que vontade de um chocolate" e, ao mesmo tempo, teve uma briga com o namorado, passou um estresse no trabalho, está magoado e não sabe o porquê. Pronto! Diferenciou! Esta é a fome emocional. Antes de comer, comece a anotar seu estado emocional e o despertar do impulso.
– Ingira os alimentos de forma consciente: Quando você come conscientemente, sente o prazer do alimento. Mastiga, sente o sabor e presta atenção no que faz. Aprenda a pensar no que está comendo, não com a compulsão e emoção, mas de forma consciente. Muitos comem sem pensar e nem lembram o que comeram. Então, pense, veja e saboreie, sempre, o que está comendo.
– Pense sempre no agora e no depois A escolha realmente é difícil. Por exemplo, você está em um restaurante, tem a opção de um prato de arroz, salada e carne e outra de um macarrão com todos os queijos a que têm direito. Sua vontade agora é o prato mais calórico, não? Certo. Mas os dois te deixarão saciados. E depois? Um te deixará pensando: "Poxa, por que comi isso?"; e o outro te despertará o sentimento de "Nossa, estou me sentindo leve e consegui fazer a melhor escolha!". Sempre temos a possibilidade da escolha. Agora, se você estiver consciente da sua escolha, mesmo que for um hambúrguer, vista essa escolha e tenha certeza dela.
– O exercício sempre é uma boa escolha: Quando nos exercitamos, na alegria ou na tristeza, liberamos hormônios extremamente prazerosos, como dopamina e serotonina. Isto ajuda a relaxar, a esquecer de tudo e, em vez de comer por impulso, você estará melhorando sua saúde. Segundo pesquisadores, o exercício fortalece o poder do cérebro na tomada de decisões, ajudando a dizer um não nas horas do comer em excesso. E não há como criar obstáculos:
– Durma bem: Estudos mostram que dormir o suficiente diminui os níveis de cortisol, que é um hormônio estressor, sendo que não dormir bem causa irritação, ansiedade, estresse, depressão, levando ao que não queremos, ou seja, a fome emocional. Sendo assim, pessoas que dormem o quanto necessitam comem menos que as pessoas que dormem pouco.
Considerações do estudo…
Todos nós temos que navegar nesse período difícil, mas aqueles com transtornos alimentares precisam enfrentar desafios adicionais relacionados à interação de sua psicopatologia com as ameaças associadas à pandemia da covid-19. Isso requer a criação de uma nova maneira de oferecer tratamentos e integrar estratégias e procedimentos padrão para lidar com o transtorno alimentar e os medos relacionados à infecção e o isolamento social.
Leia também: Como detectar a compulsão alimentar e o que fazer para evitá-la?