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Paola Machado

Por que a covid-19 afeta homens e mulheres de maneira diferente?

Paola Machado

28/04/2020 04h00

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Homens e mulheres mostram fortes diferenças sexuais por causa dos hormônios sexuais predominantes em ambos. Nas mulheres, ocorre predominância estrogênica, com o estrogênio, e em homens, o predomínio é androgênico, em que devemos destacar a testosterona. Dessa forma, o perfil hormonal de ambos os sexos gera forte diferença na imunidade frente a infecções e inflamação.

Primeiramente, devemos ressaltar o estrogênio como um forte imunomodulador e potencial anti-inflamatório. No organismo, os receptores de estrogênio (ER) regulam as células e as vias do sistema imune inato e adaptativo.

O sistema inato já nasce com a pessoa, garantindo defesa frente infecções a partir dos primeiros dias de vida e o sistema adaptativo depende da exposição frente a doenças ou vacinas para seu desenvolvimento.

Os receptores de estrogênio geram interações no DNA, formando elementos reguladores de genes, promovendo alterações epigenéticas (alteração na expressão de genes) que modulam a expressão de genes podendo interferir positivamente ou negativamente em doenças.

A atividade dos hormônios femininos influenciam na produção de interferon tipo I, uma proteína que regula a atividade do sistema imune e citocinas, proteínas que geram inflamação e podem ser aumentadas ou atenuadas pela influência do hormônio feminino.

Todo esse intrincado sistema de hormônios e proteínas agindo podem contribuir para as diferenças sexuais relatadas nas vias imunes inatas entre homens e mulheres.

Os mecanismos que levam a diferenças entre os sexos e células imunes específicas ainda não foram bem definidos, bem como as diferentes concentrações de estrogênio em homens e mulheres podendo levar a diferenças sexuais na expressão de receptores de estrogênio.

Provavelmente vias reguladoras epigenéticas são a chave para esse quebra-cabeça.

Estudos em doenças autoimunes e sua maior incidência no sexo feminino também demonstram a influência de hormônio sexual feminino no sistema imune. As respostas imunes humoral e produção de anticorpos também sofrem influência sendo otimizadas pela ação do estrogênio.

Um aspecto desse aprimoramento é um aumento na produção de imunoglobulinas (anticorpos). Estudos em modelos animais observaram que após infecções os níveis de citoquinas inflamatórias são expressas de formas diferentes em modelos gestantes onde os níveis hormonais são mais elevados em relação a modelos não-gestantes.

Também observou-se diferença quando comparado indivíduos do sexo feminino em relação ao sexo masculino correlacionando os níveis de inflamação mais branda devido a presença do hormônio sexual feminino. Os genes reguladores imunológicos codificados pelo cromossomo X no sexo feminino causam níveis mais baixos de carga viral e menos inflamação do que no homem.

E qual a relação com a infecção pelo coronavírus?

Análises estatísticas demonstraram que a mortalidade entre homens e mulheres pode apresentar uma relação de até 2:1, sendo o pior desfecho para os homens. Uma das hipóteses que vêm ganhando força é a do papel do estrogênio como imunomodulador, assim como o papel dos hormônios masculinos em apresentar um maior potencial inflamatório.

Nos homens também foi identificado um receptor chamado TMPRSS2 –protease transmembranar– responsável pela quebra do vírus na célula aumentando a carga viral.

Para a infecção pelo vírus é necessária uma porta de entrada, sendo essa a enzima conversora de angiotensina 2, também conhecida como ECA 2, que está presente em vários tecidos do corpo, incluindo no trato respiratório, e é nos pulmões essa via de entrada.

Após o processo de entrada, outra proteína humana é necessária, a TMPRSS2. A covid-19 usa essa proteína para quebrar as proteínas que permitem o acesso a células e o início da replicação viral.

Essa teoria poderia explicar por que os homens parecem ser mais vulneráveis ​​e por que as crianças são mais resistentes a infecções antes da da puberdade, pois ainda não produzem testosterona em níveis elevados.

*Colaboração do cirurgião e pós-graduado em Nutrologia pela Abran, Dr. Gustavo Henrique Ferreira de Mattos
CRM 120416

Referências :
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Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.