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Paola Machado

Ácido lático não existe: a causa da queimação e da fadiga muscular é outra

Paola Machado

01/05/2018 04h00

ácido lático e dor muscular

Crédito: iStock

Quem nunca sentiu uma "queimação" no músculo depois do treino ou até mesmo em um momento de esforço intenso no exercício? Muitos atletas dizem que esse desconforto é por conta do aumento de "ácido lático" na musculatura. Mas como uma substância que não existe pode ser responsável por essa dor muscular?

Como assim o ácido lático não existe?

As pessoas falam ácido lático, pois na década de 1920, os cientistas descobriram que o lactato era subproduto da glicólise. Por esse motivo, os pesquisadores correlacionaram os níveis de lactato elevados no sangue com o aumento da acidez da fibra muscular. Esse modelo teórico foi criado a partir dos resultados de estudos do início do século XVII que demonstraram que a hipóxia ou anóxia induziam a produção do ácido lático.

Quando realizamos uma atividade física, o organismo utiliza o oxigênio para quebrar a glicose armazenada no corpo e produzir energia.  O que acontece é que, muitas das vezes, o praticante acaba realizando mais exercício do que está acostumado ou condicionado a fazer, não tendo oxigênio suficiente para suprir esta necessidade. Por esse motivo, seu organismo queimará a glicose sem aporte de oxigênio, levando à produção de lactato –e não ácido lático.

A partir da década de 1990, muitos achados contribuíram para a mudança parcial do paradigma do ácido lático, em especial, ao que se refere a sua relação com a acidose intramuscular e a sua capacidade de representar o metabolismo anaeróbio lático.

Por esse motivo, muitos estudiosos comprovam que seu corpo não é capaz de produzir este ácido, por conta do alto pH do organismo, pois, segundo Robergs (2002), em pH fisiológico (7.4) não existe a forma ácida deste produto vindo da utilização de glicose (glicogênio) como fonte de energia anaeróbica, existindo assim somente o lactato.  Além do mais, o lactato não é capaz de deixar o seus músculos mais ou menos ácidos.

Lactato alivia a perda muscular

Quando você executa um treino de alta intensidade com foco em força muscular, seu corpo exige uma tonelada de combustível, que é fornecido através de uma via chamada glicólise, quebrando carboidratos que é estocado na forma de glicogênio, produzindo, assim, um composto de alta energia chamado ATP. O ATP é então dividido, liberando energia e outras moléculas, incluindo o hidrogênio, ao longo de seus músculos.

Na verdade, o que causa as dores do seu treino são esses íons de hidrogênio. Quando o hidrogênio se acumula em seus músculos, provoca uma queda no pH do seu corpo, tornando-o mais ácido e interferindo na capacidade de suas fibras musculares contraírem. Por conta disto, você tem uma sensação de "queimação" na musculatura e acaba reduzindo o desempenho no exercício.

Além do hidrogênio, a glicólise produz um subproduto chamado piruvato, que pode também auxiliar no armazenamento de íons de hidrogênio nos músculos e, consequente, formação de lactato, pois é necessário que seu corpo tente deixar o pH constante sem elevar muito a acidez.

O lactato é um "combustível fitness" que converte-se facilmente de volta a piruvato, criando ainda mais energia e melhorando o desempenho no treino.

O acúmulo rápido e significativo de lactato sanguíneo ocorre durante o exercício máximo que dura entre 60 a 180 segundos.

Uma redução na intensidade desse exercício árduo para prolongar o período do exercício acarreta em uma redução correspondente no ritmo de acúmulo de lactato e no nível de lactato sanguíneo.

O que gera a "queimação" na musculatura?

O piruvato nem sempre consegue acabar com os íons de hidrogênio em velocidade suficiente para impedir seu acúmulo no músculo. Ou seja, você pode ter uma sensação de fadiga causada por este hidrogênio que vai reduzindo aos poucos dentro de minutos a horas após o treino.

Após esse tempinho de dor muscular normal, qualquer dor pode ser enquadrada em um processo chamado Dor Muscular Tardia (DMTI) e deve ser avaliada por um médico –expliquei sobre a DMTI na coluna de ontem.

Como eliminar o lactato acumulado

Para pessoas saudáveis porém destreinadas, o lactato sanguíneo começa a acumular-se e sobe de maneira exponencial em atividades que exigem aproximadamente 55% ou mais da capacidade aeróbica máxima do indivíduo.

A produção e o acúmulo de lactato são acelerados quando a intensidade do exercício aumenta e as células musculares não conseguem atender às demandas energéticas adicionais aerobicamente, nem oxidar o lactato com o mesmo ritmo da sua produção. Portanto, a melhor maneira de evitar a queimação muscular seria dosar a intensidade da atividade –o que deve ser ajustado com seu treinador, afinal, realizar treinos mais intensos é importante para a evolução no esporte.

O tempo para eliminar o lactato acumulado vai depender da quantidade de íons de hidrogênio que você produziu. Porém, para acelarar esse processo, você pode realizar um exercício aeróbio após o treino de força, como corrida, bike e natação, em menor intensidade. Esse tipo de conduta ajuda a sua musculatura a passar por um processo de "desintoxicação" do organismo. Outro procedimento legal é massagear o local dolorido, pois, assim, você aumenta a irrigação sanguínea da região.

Referências:
– McAdle, W.D.; et al. Fisiologia do Exercício: energia, nutrição e desempenho humano. 6ª ed. Guanabara Koogan: RJ. 2008.
– Bertuzzi, R.C.M.; et al. Artigo de revisão: Metabolismo do lactato: uma revisão sobre a bioenergética e a fadiga muscular. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 11(2):226-234. 2009.
– Bertuzzi, R.C.M.; et al. Fadiga muscular aguda: uma breve revisão dos sistemas fisiológicos e suas possíveis relações.
– Robergs, R.A. An exercise physiologist's "contemporary" interpretations of the "ugly and creaking edifices" of the VO2max concept. Journal of Exercise Physiology online, New Mexico, v.4, n.1, p.1-44, 2001. Disponível em: <http://www.jep.org> Acesso em: fevereiro 2002.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.