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Paola Machado

Como ter bom desempenho no treino com a dieta vegetariana

Paola Machado

07/05/2018 04h00

Atleta vegetariano

As dietas vegetarianas ganham cada dia mais adeptos e, com elas, surgem muitas dúvidas. Perguntas frequentes são: será que os vegetarianos ingerem a quantidade ideal de nutrientes? Ou será que eles conseguem um bom desempenho esportivo?

O vegetarianismo é um hábito alimentar no qual os alimentos de fonte animal, como carnes, são excluídos –podendo ou não deixar incluso os laticínios e derivados. Isso acontece seja por motivos de benefício a saúde, seja por fatores culturais. Existem várias categorias de vegetarianismo, o vegetarianismo restrito, ovo-lacto vegetarianismo, lacto-vegetarianismo, semi-vegetarianismo.

De acordo com estudos, estas dietas, quando realizadas de forma saudável e com orientação, trazem benefícios à saúde na prevenção e tratamento de certas doenças –menor risco de doenças cardíacas, hipertensão, diabetes, obesidade e alguns tipos de cânceres. Tendem a ser mais ricas em carboidratos complexos, fibras, frutas, vegetais, e ter menor quantidade de gordura saturada e colesterol quando comparadas com dietas onívoras, isto é, não-vegetarianas.

Em relação à biodisponibilidade dos nutrientes ingeridos, a prática vegetariana bem planejada é saudável para qualquer pessoa em todos os ciclos e estágios da vida, inclusive atletas.

Vegetarianos e exercício físico

O artigo de revisão sobre "dietas vegetarianas e desempenho esportivo" publicado pela Revista de Nutrição (2006), mostrou que:

  • "De acordo com a literatura, não foram encontradas diferenças significativas na capacidade aeróbica e de força em indivíduos que seguiram diferentes dietas. As pesquisas que relacionaram o tipo de dieta com o desempenho de força ou atividades supramáximas são escassas, havendo a necessidade de mais investigações a fim de elucidar a questão.
  • Vegetarianos ingerem frequentemente grandes quantidades de carboidratos, fibras dietéticas, magnésio, potássio, folato, antioxidantes e fitoquímicos. É necessário maior atenção na dieta desses indivíduos no que diz respeito à ingestão de cálcio, zinco, ferro e vitamina B12. A ocorrência de anemia por deficiência de ferro pode ser mais comum na mulher atleta, o que interfere negativamente no rendimento. A baixa ingestão de vitamina B12 pode levar ao quadro de hiper-homocisteinemia, aumentando o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
  • O teor de proteína dos alimentos de origem vegetal é frequentemente menor do que os de origem animal, além de apresentarem menor valor biológico, pois possuem aminoácidos limitantes. Ainda assim, os pesquisadores sugerem que a ingestão de proteína nas dietas vegetarianas pode cumprir a cota de fornecimento adequada, mesmo para atletas que necessitam de maior consumo do nutriente.
  • Os níveis de creatina intramusculares dos vegetarianos são mais baixos, o que pode afetar o rendimento em exercícios supramáximos. Em contrapartida, a suplementação de creatina monohidratada pode proporcionar maior efeito ergogênico nesses indivíduos.
  • Vegans e outros tipos de vegetarianos podem apresentar níveis mais baixos de hormônios anabólicos, como a testosterona, androstenediona e IGF-1, o que, talvez, interfira diretamente no desenvolvimento da força e hipertrofia muscular. A função imunológica não parece ser afetada."

Cuidados nutricionais para os atletas vegetarianos

Em dietas mal planejadas, atletas vegetarianos podem estar em risco para baixa ingestão de proteína, energia, gordura e micronutrientes importantes na prática esportiva, tais como ferro, cálcio, vitamina D, riboflavina, zinco e vitamina B12. Uma consulta com um nutricionista esportivo é recomendada para evitar esses problemas nutricionais.

Os estudos sobre a biodisponibilidade de nutrientes em dietas vegetarianas bem planejadas, especialmente ovo-lacto-vegetarianas e, estudos epidemiológicos de coorte com vegetarianos e onívoros concluíram que a prática vegetariana não oferece riscos à ingestão adequada de ferro, cálcio, zinco e iodo, das vitaminas D e B12 e das proteínas, o que é de suma importância não apenas para a prática de atividade física saudável como também para o bom desempenho esportivo de atletas.

Proteína de qualidade é uma preocupação potencial para os indivíduos que evitam todas as proteínas animais tais como leite e carne (por exemplo, os vegans). Suas dietas podem ser limitadas em lisina, treonina, triptofano ou metionina. Devido às características das proteínas vegetais, como digestibilidade e biodisponibilidade menor que as proteínas animais, é recomendado um aumento na ingestão de proteína em cerca de 10% para atletas vegetarianos, o que consiste em uma dieta com ingestão de 1,3 a 1,8 g/ por quilo de peso corporal ao dia de proteína.

Vale a pena considerar as implicações de desempenho das diferenças na ingestão de carboidratos entre os atletas vegetarianos e não vegetarianos, visto que a importância dos carboidratos na dieta sobre a resistência e desempenho é bem reconhecida e que as dietas à base de vegetais podem conter uma maior proporção de energia dos carboidratos.

Se uma dieta vegetariana é melhor para garantir a ingestão de carboidratos, poderia beneficiar os atletas envolvidos em esportes de resistência, como corrida de longa distância. No entanto, dietas dos onívoros e os vegetarianos podem facilmente fornecer de 7 a 8 g de carboidratos por kg de peso corporal por dia, recomendada para manter os estoques de glicogênio do dia.

Vários micronutrientes na dieta também têm o potencial para influenciar o desempenho atlético e a sua ingestão pode diferir entre vegetarianos e onívoros. É preciso atenção na ênfase sobre o consumo de alimentos vegetais para aumentar a ingestão de carboidratos pois estes são também fonte de fibra dietética e ácido fítico, que reduzem a biodisponibilidade de vários nutrientes, incluindo zinco, ferro e alguns minerais.

O ferro não-heme dos alimentos vegetais é menos biodisponível que o ferro heme de produtos de origem animal, aumentando o risco de anemia em atletas de endurance, especialmente em atletas adolescentes do sexo feminino. Assim, a recomendação para ingestão de ferro por parte dos vegetarianos é aumentada em 80% além da RDA. Apesar da alta ingestão de ferro, as concentrações de ferritina sérica são muitas vezes inferiores aos encontrados em não vegetarianos, apesar da anemia ser rara.

Apesar da baixa biodisponibilidade de alguns elementos-traço, tais como zinco, cobre, manganês e selênio em dietas vegetarianas, a maioria dos estudos não conseguiu mostrar que os vegetarianos estão em prejuízo, visto que parece haver uma adaptação, aumentando a absorção desses elementos.

Uma ingestão adequada de vitaminas do complexo B é importante para garantir o fornecimento ideal de energia para o exercício e para construção e reparação do tecido muscular. As vitaminas do complexo B têm duas grandes funções diretamente relacionadas ao exercício: tiamina, riboflavina, niacina, piridoxina, ácido pantotênico e biotina estão envolvidos na produção de energia durante o exercício, enquanto o folato e B-12 são necessários para a produção de glóbulos vermelhos, para a síntese de proteína, reparação e manutenção dos tecidos, incluindo o do sistema nervoso central. Das vitaminas desse complexo, a riboflavina, piridoxina, ácido fólico e B-12 são frequentemente baixas em atletas do sexo feminino e, especialmente, em dietas vegetarianas ou mesmo onívoras não balanceadas e adequadas.

Os vegans não tem uma fonte confiável de vitamina B12 em sua dieta sem o uso de alimentos fortificados ou suplemento, o que pode levar à anemia e consequente diminuição do desempenho aeróbio. Mas suplementos ou alimentos enriquecidos podem ser usados para atender a necessidade dessa vitamina. As dietas vegetarianas normalmente contêm maior quantidades de antioxidantes como vitamina E, vitamina C e beta-caroteno e podem proporcionar uma melhor proteção contra o estresse oxidativo associado ao exercício do que as dietas onívoras.

A dieta vegetariana, em qualquer das suas formas, é caracterizada pela maior ingestão de cereais integrais, frutas, hortaliças, leguminosas e oleaginosas, que são alimentos importantes para a boa nutrição do corpo, como também ricos em fitoquímicos que auxiliam na promoção da saúde e na diminuição do risco do desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis.

Dicas de fontes de proteínas

A ingestão de proteínas fica entre 12% a 13,8% do valor calórico total da dieta em ovolactovegetarianos e vegetarianos estritos. Nos mesmos estudos, a população onívora ingeria 14,8% a 16,3% do valor calórico total da dieta, ou seja, a proporção é pouco variável para cada dieta.

Como a elaboração do cardápio saudável que inclui proteínas na quantidade de 10% a 15% do valor calórico total nos estudos populacionais a dieta vegetariana tende a ser mais apropriada do que a onívora para manter as proporções sugeridas pelas recomendações nutricionais.

Por esse motivo, fique por dentro de uma lista com alto teor proteico (Guia Alimentar de Dietas Vegetarianas para Adultos, SVB 2012):

  • Cereais integrais: aveia, arroz integral, centeio, quinua, trigo, cevada.
  • Feijões: azuki, preto, branco, vermelho, lentilha, rajado, ervilha verde partida, grão-de-bico.
  • Sementes: amêndoas, noz, amendoim, avelã, castanha de caju, castanha-do-Pará, gergelim tostado, linhaça, semente de abóbora, semente de girassol, semente de melancia, nozes, pistache, pinhão, macadâmia.
  • Legumes: alcachofra, berinjela, cebola, cogumelo branco e shitake, abóbora, abobrinha, beterraba, cenoura, chuchu, pimentão vermelho e verde, quiabo, rabanete, tomate, pepino.
  • Queijos (*lista de queijo considerada para indivíduos que aderem à dieta ovo-lacto e lacto-vegetariana): cheddar, cottage, cream cheese com e sem gordura, mussarela, parmesão duro, provolone, ricota, prato, brie, camembert, roquefort, suíço.

Os vegetarianos precisam de atenção em alguns aspectos nutricionais para adequar seu estilo de vida a uma dieta saudável e os atletas, por sua vez, também necessitam de atenção as suas (mais elevadas) necessidades de macro e micronutrientes. Pode-se afirmar, portanto, que o atleta vegetariano terá uma melhor qualidade de vida, menor risco de desenvolver doenças crônicas não transmissíveis e desempenho esportivo desde que sua dieta seja bem planejada e adequada as suas necessidades nutricionais e ele mantenha os hábitos de uma vida saudável.

REFERÊNCIAS:
–  Angela M. Venderley and Wayne W. Campbell Vegetarian Diets Nutritional Considerations for Athletes. Department of Foods and Nutrition, Purdue University, West Lafayette, Indiana, USA, 2006.
– Teixeira, R.C.M.A.; et al. Risco cardiovascular em vegetarianos e onívoros: um estudo comparativo. Arquivos Brasileiros de Cardiologia [periódico da internet]. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066- 782X2007001600005&lng=en
– Slywitch, E. Guia alimentar de dietas vegetarianas para adultos. Departamento de medicina e nutrição Sociedade Vegetariana Brasileira, Florianópolis – SC, 2012.
– Ferreira, L.G.; et al. Dietas vegetarianas e desempenho esportivo. Rev. Nutr. vol.19 no.4 Campinas July/Aug. 2006.
– Halbesma, N.; et al. High protein intake associates with cardiovascular events but not with loss of renal function. J. Am. Soc. Nephrol. 2009; 20(8):1797Y804.
– Nieman, D.C. Physical fitness and vegetarian diets: is there a relation? Am J Clin Nutr. 1999: 70(3 Suppl):570S-5S.
– McCarty, M.F. Vegan proteins may reduce risk of cancer, obesity, and cardiovascular disease by promoting increased glucagon activity. Vol. 53 Nr. 6 Página: 459 – 485. 1999.
– Guia Alimentar de Dietas Vegetarianas para Adultos, SVB 2012

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.