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Paola Machado

Tríade da mulher atleta: evite o problema que prejudica a saúde

Paola Machado

18/06/2018 04h00

Crédito: iStock

Sabemos que a prática regular de exercícios traz benefícios superimportantes para a saúde. O texto de hoje aborda um assunto muito sério, e grave, que pode acometer mulheres que treinam de forma excessiva.

Antes de iniciar, gostaria de perguntar para você, mulher: você treina muito e notou que a sua alimentação está desequilibrada e a menstruação atrasada? Se a resposta for sim, é necessário atenção no texto e ajuda profissional, pois você pode estar com uma síndrome grave chamada Tríade da mulher atleta.

TRÍADE DA MULHER ATLETA

O número de mulheres adeptas a prática de exercícios físicos tem aumentado, tanto no âmbito competitivo quanto recreacional. As constantes buscas por resultados estéticos – principalmente para manterem um peso corporal baixo – ou exigências de competição podem causar graves problemas de saúde.

Segundo Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (2000), a chamada Tríade da mulher atleta é uma síndrome que ocorre não somente em mulheres que participam de exercícios de caráter competitivo, mas acomete, de modo cada vez mais frequente, adolescentes e mulheres praticantes de atividade física de caráter recreacional. Os seus componentes são: distúrbios alimentares, alimentação desordenada, amenorreia e osteoporose.

Como podem observar na imagem abaixo, todos os componentes vinculados ao quadro são relacionados a uma sequência de eventos:

As mulheres que treinam de forma excessiva e que têm como objetivo a perda de peso, adotam comportamentos alimentares desordenados, reduzindo a disponibilidade de energia, diminuindo a massa e gordura corporal até que:

  1.  Irregularidades menstruais — oligomenorreia — 35 a 90 dias entre os períodos menstruais.
  2. Parada total da menstruação — amenorreia secundária — interrupção dos ciclos menstruais por pelo menos 3 meses consecutivos.

As estimativas de prevalência de distúrbios alimentares oscilam entre 15-62% nas mulheres atletas, com a maior frequência entre os esportes com finalidades estéticas (balé, fisiculturismo, chefe de torcida), nos quais com frequência o sucesso coincide com uma magreza extrema.

A imagem a seguir ilustra fatores que contribuem para o surgimento da amenorreia relacionada ao exercício:

IMPORTÂNCIA DA COMPOSIÇÃO CORPORAL

Existe cada vez mais um reconhecimento da influência da composição corporal sobre o desempenho atlético. Sendo assim, preconiza que, em algumas atividades desportivas, o aumento do peso corporal pode atrapalhar o desempenho.

Porém, os padrões estéticos atuais estão cada vez mais irreais, escravizando as pessoas que possuem a ideia fixa de conseguirem o "corpo perfeito", contribuindo para a adoção de práticas alimentares contraproducentes.

Constantemente, os atletas tentam reduzir a gordura corporal a fim de melhorar a produção de potência nos exercícios em relação à massa corporal e reduzir as forças de resistência dinâmicas que dificultariam o movimento, quer seja pelo ar ou pela água.

A perda excessiva de peso pode resultar em perda de massa magra, desidratação e consequente queda no desempenho: e um atleta em treinamento que, voluntária ou involuntariamente, restringe a ingestão energética para uma quantidade menor do que seu gasto, poderá ter problemas semelhantes, dependo da duração e da magnitude do desequilíbrio energético.

ALIMENTAÇÃO DESREGULADA

Durante a puberdade, as meninas ganham gordura corporal e são encorajadas a perder peso para melhorar o desempenho e ou a aparência física. A tentativa mais utilizada para se perder peso ou gordura corporal é a da restrição calórica ou a utilização de amplas técnicas de práticas alimentares desordenadas.

As restrições alimentares incluem o jejum e a inanição voluntária crônica. Essas limitações reduzem a taxa metabólica de repouso e acarretam modificações nos sistemas musculares, endócrinos e outros relacionados ao exercício físico.

Mesmos os curtos períodos de alimentação desordenada podem afetar profundamente a maneira como a atleta treina, compete e se recupera. O efeito do distúrbio alimentar sobre a ingestão insuficiente das vitaminas e minerais necessários para o metabolismo energético, crescimento e reparo dos tecidos também contribui para um desempenho precário nos exercícios e um maior potencial para a ocorrência de lesões.

A primeira manifestação da tríade encontra-se, na maior parte dos casos, associada a hábitos alimentares inadequados que surgem com intuito de atingir um peso corporal.

Os distúrbios alimentares são conhecidos como anorexia e bulimia, muito conhecidas por causar grandes danos à saúde e, às vezes, podendo levar o indivíduo a óbito.

Em consequência de uma má alimentação, o aporte de macro e micronutrientes fica comprometido, sendo esse o principal causador de outros distúrbios com a amenorreia, que pode ser classificada como primária, que consiste na menarca retardada quando a adolescente já possui características secundárias e a ela, que é a ausência de três ou mais ciclos menstruais consecutivos após a menarca.

Alguns estudos demonstram os esportes com maior prevalência, em virtude, sobretudo, da influência do baixo peso corporal na determinação de um melhor desempenho e da ênfase no controle de peso a que são submetidas, como salto de esqui, ciclismo de estrada, alpinismo, ginástica artística ou rítmica e corridas de longa distância.

AMENORREIA

O ciclo menstrual mensal é uma  interação complexa dos sistemas endócrino e reprodutivo. Estímulos externos afetam o sistema através de sinais hormonais enviados a uma região encefálica chamada hipotálamo. Assim, uma redução na frequência de hormônios luteinizantes (LH) por parte da hipófise, representa a causa direta da amenorreia e da subsequente supressão ovariana em mulheres fisicamente ativas.

A redução na frequência de LH é causada pela diminuição de gonodatrofina, via hipotálamo.

Ainda não se sabe ao certo se o exercício ou a baixa ingestão energética causam esse distúrbio, mesmo que um isolado do outro. Alguns pesquisadores que defendem que o exercício é o principal causador da amenorreia, se apoiam na hipótese do efeito "catabólico" do hormônio cortisol (hormônio do estresse), que é liberado durante o esforço físico.

Há também pesquisadores que defendem a hipótese dietética, sendo que a disponibilidade de energia pode ser definida como a ingestão dietética de energia menos o gasto energético durante o exercício, com isso, generaliza-se que as mulheres amenorreicas (atletas) consomem menos energia oriunda dos alimentos do que parecem necessitar durante o exercício (balanço energético negativo).

A incidência do distúrbio em atletas é maior em esportes do tipo "endurance", de maior duração e consequentemente maior gasto metabólico. Por esses motivos, a alimentação é essencial para evitar as alterações hormonais e alcançar a ingestão calórica necessária para suprir o dispêndio energético.

OSTEOPOROSE

As baixas concentrações de hormônios ovarianos em atletas amenorreicas e oligomenorreicas estão associadas com massa óssea reduzida e maiores taxas de perda óssea, podendo ser comparada com a osteopenia (precursora da osteoporose) de mulheres na menopausa.

A osteopenia é exacerbada com práticas alimentares desordenadas e de uma baixa ingestão de cálcio. Apesar de atletas com baixo peso poderem não preencher todos os critérios para anorexia nervosa ou bulimia nervosa, a ingestão calórica inadequada e a nutrição precária envolvidas na obtenção de um peso corporal irreal, podem impor essas mulheres a um alto risco de fraturas graves.

Outro agravante da desnutrição precária é que em atletas adolescentes, a condição de baixo estrogênio pode resultar na ausência de crescimento ósseo durante os anos críticos de consolidação esquelético.

Segundo a literatura disponível até o momento, as mulheres com amenorreia e com uma perda óssea menos intensa podem preferir ajustar o treinamento e os padrões nutricionais para reiniciar seu ciclo reprodutivo normal.

EXERCÍCIO EXCESSIVO

Potencialmente, todas as adolescentes e mulheres fisicamente ativas poderiam correr o risco de desenvolver um ou mais componentes da tríade. As alterações biológicas, o impulso social pela magreza e a preocupação com a imagem corporal que ocorrem durante a puberdade fazem com que a adolescência seja a época mais vulnerável para o aparecimento da síndrome.

Sendo assim, a participação nos desportos que enfatizam um peso corporal baixo pode ser um fator de risco:

  • Esportes nos quais o desempenho é qualificado como subjetivo: dança, patinação artística, mergulho, ginástica aeróbica.
  • Esportes de endurance que enfatizam um baixo peso corporal: maratona, ciclismo, esqui.
  • Esportes que utilizam categorias de pesos: artes marciais, lutas e remo.

A amenorreia associada ao exercício é resultante de uma menor produção de hormônios ovarianos e consequente sintomas semelhantes à menopausa, associadas à redução da densidade mineral óssea.

DIAGNÓSTICO

Atualmente, não existe ainda um protocolo de diagnóstico para a Tríade da Mulher Atleta, por ser um distúrbio multifatorial, podendo ser manifestada de diferentes formas em diferentes atletas.

Classicamente, um exame corporal completo deverá ser feito pelo médico, consistindo de sinais vitais como pulso, batimentos cardíacos, temperatura corporal. Também alguns  parâmetros importantes para os nutricionistas como a investigação dos hábitos alimentares através de uma anamnese alimentar completa, volume do treinamento, peso, IMC, % de gordura corporal características da pele, cabelo e tônus muscular deverão ser avaliados.

Juntamente com os exames já citados, os marcadores bioquímicos também são de extrema importância, pois são parâmetros complementares a serem considerados. Hemograma completo, contagem linfocitária, dosagem de TSH (hormônio estimulante da tireóide), LH (hormônio luteinizante) e exames urinários para a detecção de anormalidades eletrolíticas e a dosagem da enzima CPK (lesão muscular) são bastante significativos na detecção de alguma anormalidade em relação à alimentação e ao esporte.

A amenorreia pode ser detectada por uma baixa concentração do hormônios LH e FSH (hormônio folículo estimulante). São várias a causas da queda dos níveis desses hormônios, como a anorexia nervosa, treinamento excessivo, depressão e estresse.

Em parâmetros mais avançados, alguns autores citam a utilização do DEXA (teste de densitrometria óssea, que pode achar em algumas clínicas) para o diagnóstico de osteoporose, todavia esse tipo de exame infelizmente não é utilizado, a não ser no ambiente de pesquisas.

Sabe-se que quanto mais precoce for o diagnóstico, mais rapidamente as anormalidades serão tratadas e normalizadas.

TRATAMENTO

O tratamento da Tríade da Mulher Atleta é feito pelo conjunto de vários profissionais incluindo médico, nutricionista, psicólogo e principalmente o técnico da atleta, pois se trata de uma anormalidade multifatorial.

Basicamente, o tratamento da síndrome deve conter mudanças nos hábitos alimentares, no volume de treinamento e adequação da ingestão calórica total, levando em consideração o gasto metabólico do esporte. O final objetivo deverá ser sempre a normalização da menstruação, o abandono de práticas alimentares inadequadas e a melhora da percepção corporal da atleta.

  • Uma diminuição em aproximadamente 10% da intensidade de treinamento e um aumento em 2-3% do peso corporal já pode ser considerada a primeira atitude a ser tomada no início do tratamento.
  • A ingestão de 1200-1500 mg de cálcio em conjunto com 400-800 UI de vitamina D, são consideradas doses de ataque para o combate a osteopenia.
  • A ingestão de uma dieta equilibrada em energia, carboidratos, proteínas e gorduras, previne qualquer tipo de anormalidade metabólica, partindo do princípio que a atleta só tenha uma dieta mal estruturada. Existem casos que a reposição hormonal é utilizada para a regulação do ciclo menstrual, ficando a cargo do médico especialista (ginecologista) receitar a dose necessária.
  • O psicólogo também contribui com sua parte, pois os distúrbios do comportamento alimentar são complicações psicológicas, que se refletem na alimentação, sendo de total importância para o sucesso do tratamento da tríade da mulher atleta a intervenção do profissional.

POSICIONAMENTO OFICIAL DO ACSM (American College of Sports Medicine)

Com base em uma abrangente revisão da literatura, em estudos de pesquisa, relatos de casos e no consenso de especialistas, é posição oficial do Colégio Americano de Medicina do Esporte que:

1. A Tríade da Atleta é uma síndrome importante que consiste de distúrbios alimentares, amenorreia e osteoporose. Os componentes da Tríade estão inter-relacionados na etiologia, na patogênese e nas consequências. Devido à definição recente da Tríade, estudos de prevalência ainda não foram concluídos. Contudo, não ocorre somente em atletas de elite, mas também em jovens fisicamente ativas e mulheres que participam em uma ampla série de tipos de atividade física. A Tríade pode resultar em um declínio do desempenho físico, um aumento da morbidade clínica e psicológica e também um aumento da mortalidade.

2. As pressões internas e externas às quais são submetidas jovens e mulheres para atingir ou manter um peso corporal irrealmente baixo está por trás do desenvolvimento desses distúrbios.

3. Esta Tríade é freqüentemente negada, não diagnosticada e subnotificada. Os profissionais da área de Medicina do Esporte devem estar atentos à patogenia inter-relacionada e à apresentação variada dos componentes do distúrbio. Devem ser capazes de reconhecer, diagnosticar e tratar ou encaminhar mulheres com qualquer um dos componentes da Tríade.

4. As mulheres que tiverem um dos componentes da Tríade devem ser investigadas para os outros componentes. A investigação da Tríade pode ser realizada no momento da avaliação pré-participação e durante a avaliação clínica das seguintes condições: alterações menstruais, padrões alterados de alimentação, alterações do peso corporal, arritmias cardíacas, incluindo bradicardia, depressão ou fraturas de estresse.

5. Todos os profissionais da área de Medicina do Esporte e incluindo também técnicos e treinadores, devem aprender sobre a prevenção e o reconhecimento dos sintomas e riscos da Tríade. Todos os profissionais que trabalham com jovens e mulheres fisicamente ativas devem prescrever um treinamento que seja medicamente e psicologicamente adequado. Deve-se evitar pressionar as jovens e as mulheres a reduzir o peso. Os profissionais devem conhecer conceitos básicos sobre nutrição e devem ter como encaminhar as atletas para aconselhamento nutricional e avaliação médica e de saúde mental, quando necessário.

6. Os pais devem evitar pressionar as suas filhas a fazerem dieta e reduzirem o seu peso — principalmente quando não houver necessidade para tal. Os pais devem ser esclarecidos sobre os sinais de alerta da Tríade e procurar um tratamento clínico para as suas filhas se esses sinais estiverem presentes.

7. Os profissionais da área de Medicina do Esporte, os administradores desportivos e as autoridades governamentais ligadas à área de esportes têm responsabilidade conjunta na prevenção, diagnóstico e tratamento da Tríade. As instituições governamentais devem trabalhar no sentido de oferecer oportunidades de programas educacionais para os técnicos para esclarecê-los e habilitá-los profissionalmente. Deve-se trabalhar no sentido de desenvolver programas para monitorizar os técnicos e outros profissionais envolvidos para assegurar práticas de treinamento seguras.

8. Jovens e mulheres fisicamente ativas devem ser esclarecidas sobre uma nutrição adequada, práticas seguras de treinamento e os sinais e sintomas de alerta da Tríade. Estas devem ser encaminhadas para avaliação médica ao primeiro sinal de qualquer um dos componentes da Tríade.

9. Estudos adicionais são necessários para melhor esclarecer a prevalência, as causas, as formas de prevenção, o tratamento e as sequelas.

*Colaboração Nutricionista Dr. Felipe Donatto

Referências:
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– McArdle, W.D.; et al. Nutrição para o esporte e o exercício. Terceira edição. Guanabara Koogan. 2011.
– Mantoanelli, G.; et al. Amenorrhea and osteosporosis in adolescents athletes. Rev. Nutr. vol.15 no.3. 2002.
– DiMarco, N.M.; et al. Modified activity-stress paradigm in an animal model of the female athlete triad. Journal of Applied Physiology. Vol: 103 Nro: 5 Págs: 1469 – 1478. 2007.
– Lauder, T.D.; et al. The female athlete triad: Prevalence in military women. Military Medicine. Vol: 164 Nro: 9 Págs: 630 – 635. 1999.
– Apresentação: Solicitação e interpretação de exames bioquímicos: visão do nutricionista / Dr. Felipe Donatto.
– Perini, T. A. Investigação dos componentes da Tríade da mulher atleta em ginastas. Revista da Educação Física/UEM Maringá, v. 20, n. 2, p. 225-233, 2. trim. 2009
– Cunha, A. F. V. P. Impacto da pratica desportiva na saúde da mulher atleta. Monografia, Faculdade de desporto da universidade do Porto, 2006.
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– Pereira, I. O. Distorção da imagem corporal e tríade da mulher atleta em bailarinas clássicas. Revista Digital. Buenos Aires, Nº 149, Oot/2010. Disponível em <http://www.efdeportes.com/>. Acesso em 19/abr/2011.
– A tríade da atleta – Posicionamento oficial. Rev Bras Med Esporte vol.5 no.4 Niterói Aug. 1999.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.