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Paola Machado

Use o exercício para aliviar o estresse sem deixar a tensão afetar o treino

Paola Machado

05/09/2018 04h00

Crédito: iStock

Não adianta contestar, somos emocionalmente instáveis. É muito difícil –para não dizer impossível — encontrar uma pessoa que está em um estado pleno e constante desde o dia em que nasceu.

Somos frágeis emocionalmente. Alguns choram por filmes, outros se irritam no trânsito e há quem gargalhe com vídeos divertidos nas redes sociais. Eu sou do tipo que sinto um pouco de tudo isso em um só dia. Acordo e ainda estou meio dormindo, fico feliz e disposta, depois tenho um cansaço junto com irritação e no final do dia pareço um Buda misturado com o Taz Mania –se isso é possível, porque minha cabeça está calma e meu corpo pronto para uma balada.

Sempre enfatizo que um dos benefícios do exercício é melhorar a qualidade de vida, a saúde, o humor, a interação social e afins. É inegável que a atividade física alivia a tensão do dia a dia, nos acalma. Mas, quando não temos resultados, quando a ansiedade por um objetivo é maior do que todo o processo ou quando você não consegue administrar a mente e se concentrar no treino, também pode acontecer de seu estado de estresse se sobrepor a todos os bons efeitos do exercício.

Utilize o estresse a favor do seu treino, não contra

Eu já expliquei que o estresse pode atrapalhar (e muito!) os resultados da atividade física por vários motivos. Entre eles, porque prejudica a recuperação muscular, contribui para o estoque de gordura abdominal e aumenta a ingestão de alimentos calóricos.

Embora esse estresse crônico seja prejudicial para seu corpo e sua mente, a tensão de curto prazo aumenta energia e foco. Quem já ficou estressado no trabalho e depois foi fazer um treino de musculação sabe: você chega na academia, põe seu fone, esquece do mundo, coloca uma carga superior ao que estava acostumado e malha focado. O treino rende como nunca.

Lembro de uma vez que minha irmã estava na casa de uma amiga e entrou um ladrão. Elas se trancaram no banheiro e ligaram para minha mãe e a polícia. Minha mão chegou antes da viatura e, como o bandido tinha ido embora e as meninas estavam presas, deu alguns socos e conseguiu abrir a porta. Eu nunca imaginei aquela cena. É que foi uma situação de estresse tão grande que fez com que ela quintuplicasse a força que tinha.

É claro que não estou dizendo aqui para você ficar nervoso propositalmente, pois o estresse é bom para você treinar. O que quero mostrar é que, se você estiver em um dia estressado, use esse ponto a seu favor e, em vez de brigar com alguém que gosta que não tem nada a ver com o seu problema, vá fazer exercício e use essa força interior para o seu bem.

Não deixe o treino se tornar um motivo de estresse

O exercício precisa ser prazeroso, algo com que você se identifica e tem vontade de praticar. Se você é "odeia" atividade física e não se encontra em nenhuma atividade, ache, pelo menos, uma modalidade que suporta fazer.

Vejo dezenas de pessoas que escolhem a modalidade de treino pelo o que a galera está fazendo. Pergunto: por que você vai dançar Zumba, por exemplo, se morre de vergonha e a aula é um peso para você? Nunca passei tanto nervoso quanto em uma aula de dança que fiz. Sou um desastre e não gosto de dançar, mas tive que fazer uma aula para um estágio de educação física. Isso me deixou tão nervosa, tão estressada, que não aproveitei nem a aula e muito menos os benefícios dela. Então, por que você vai escolher um exercício que não gosta e não se identifica?

Um estudo mostrou que pessoas introvertidas e extrovertidas reagem de formas diferentes aos estímulos e a dopamina. Pessoas extrovertidas desfrutam do estímulo externo e sentem-se bem e dispostos quando se relacionam socialmente e até quando se expõem, já os introvertidos podem sentir-se excluídos, achar muita exposição e a superestimulação externa os desestimular.

Ai já está um bom caminho para escolha, pois pessoas extrovertidas podem ficar ainda mais dispostas e felizes com aulas empolgadas e que tenham exposição, comparado a pessoas introvertidas, que podem se sentir melhor em modalidades individuais e mais privadas –é claro que isso é para o começo, com o passar do tempo é natural que essa introversão se transforme. Como expliquei no texto de ontem, o exercício é capaz de melhorar as relações sociais, porém isso deve ser construído aos poucos e respeitado, para que você não se estresse ainda mais.

Entenda o que seu corpo precisa

Comece a entender o seu corpo. Sei que não é fácil e, para isso, é necessário concentração e maturidade emocional. Tenho uma amiga que, sempre que eu estava com algum problema, dizia: "Paola, preste atenção no que seu corpo quer dizer com isso!".

De vez em quando precisamos parar. Parar e olhar para a nossa volta. Tentar entender o que esta acontecendo. O seu corpo é seu templo. Tudo seu está ali, naquela "casinha humana". Você precisa respeitar, cuidar, entender. Ele manda sinais. Para ficar mais palpável o que estou falando, quando sua barriga ronca ou quando você sente a boca seca são sinais fisiológicos que o seu corpo está precisando de alimento e água –enfatizo que esses sinais já são alertas, já é uma luz vermelha e você já passou da hora de fazer tudo isso.

Por isso, quando você sente dores, está estressado, está ansioso, com dor de cabeça, fadigado, é o momento de parar e entender tudo o que o seu corpo está querendo dizer. A melhor forma é dar um tempo para você e entender que o corpo precisa de um tempo, independentemente do que as pessoas falem. É importante para qualquer um.

Em vez de tentar fazer mais do mesmo, invista em algo diferente. Se você trabalha oito, nove, dez horas em um ambiente fechado, em um dia estressante, troque a sala fechada de musculação por um treino no parque, por exemplo.

Cuidado com as ciladas da tecnologia

Além de viver "penduradas" nas redes sociais, percebo que as pessoas estão extremamente empenhadas em conseguir atingir todos as calorias, os passos, a distância e milhares de outras funcionalidades que os aplicativos de celulares e relógios esportivos têm disponíveis.

Olhar de vez em quando é ok. Mas viver em função disso pode ser frustrante. Algumas pessoas têm mania de focar no macro e no inatingível. Acho saudável a ideia de pensar que, independentemente do exercício, você precisa dar 10 mil passos por dia. Porém, para muitos é algo inatingível, e essa meta padronizada e inalcançável  pode ser desanimadora e estressante.

A dependência constante do feedback digital pode produzir uma ansiedade prolongada ou um estresse crônico, ativando a resposta constante de hormônios responsáveis pelo estresse e prejudicando a saúde e bem-estar.

Quando prestamos muita atenção nos números, realizamos mais e mais exercícios, focamos em mais e mais passos, em mais e mais calorias perdidas etc. Esse mais e a mais gera estresse. Esse mais e mais gera desconforto. Esse mais e mais gera problemas.

Não há problema contabilizar passos, não há problema ver calorias perdidas, mas isso não pode influenciar seu estado emocional e sua vida. Você precisa trabalhar com números estipulados de acordo com sua individualidade, que consiga atingir e, se por um acaso fizer mais, ótimo.

REFERÊNCIAS:
– Diaz, K.M.; et al. Physical Activity and the Prevention of Hypertension. Curr Hypertens Rep. 2013 Dec; 15(6): 659–668.
– Harber, V.J.; et al. Endorphins and exercise. Sports Med. 1984 Mar-Apr;1(2):154-71.
– Sander, R. Exercise boosts immune response. Nurs Older People. 2012 Jun 29;24(6):11.
– Zhang, Z.; et al. A Systematic Review of the Relationship Between Physical Activity and Happiness. Journal of Happiness Studies. 2018.
– Greenwood, B.N.; et al. Exercise-induced stress resistance is independent of exercise controllability and the medial prefrontal cortex. Eur J Neurosci. 2013 Feb;37(3):469-78. doi: 10.1111/ejn.12044. Epub 2012 Nov 4.
National Institute of Mental Health.
– Morgan, J.A.; et al. Effects of physical exercise on central nervous system functions: a review of brain region specific adaptations. J Mol Psychiatry. 2015; 3: 3.
– Depue, R.A.; et al. On the nature of extraversion: variation in conditioned contextual activation of dopamine-facilitated affective, cognitive, and motor processes. Front Hum Neurosci. 2013.
– Riskind, J.H.; et al. Physical posture: Could it have regulatory or feedback effects on motivation and emotion? Motivation and Emotion. September 1982, Volume 6, Issue 3, pp 273–298.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.