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Paola Machado

Entenda os tipos de célula de gordura do corpo; um deles queima calorias!

Paola Machado

19/01/2019 04h00

Crédito: iStock

Você sabia que as células de gorduras presentes em nosso corpo não são todas iguais e um tipo delas é capaz até de queimar calorias?

Em mamíferos, o tecido adiposo (gordura) pode ser classificado em tecido adiposo branco (TAB) e tecido adiposo marrom (TAM). E eles possuem funções diferentes no metabolismo.

O branco, que compõe a maior parte da gordura corporal, tem a capacidade de armazenar energia sob a forma de triacilglicerol e liberar energia sob a forma de ácidos graxos livres (AGLs) e glicerol, além de secretar múltiplos peptídeos bioativos que influenciam em várias vias metabólicas por meio da circulação sanguínea. Ele é basicamente nosso estoque de calorias.

Já o marrom é cada vez mais reconhecido pela capacidade de dissipar energia na forma de calor por oxidação de glicose e lipídios e como o principal local de termogênese em mamíferos. Os processos termogênicos induzidos na "gordura marrom" são regulados principalmente pelo sistema nervoso simpático (SNS), para adequar a temperatura do corpo de mamíferos quando expostos a temperaturas abaixo do normal. Isso ocorre por meio de uma proteína (UCP-1) presente nas mitocôndrias e específica do adipócito –célula de gordura –, que desacopla a cadeia respiratória.

Por muito tempo, acreditava-se que o tecido adiposo marrom em humanos estava presente somente em recém-nascidos para controle da temperatura, mas atualmente não há dúvida de que ele existe e tem influência termogênica em adultos humanos.

Supõe-se que a "gordura marrom" é ativada quando há exposição a temperatura próxima do limiar de tremor (ou seja, muito baixa).

Suas potenciais aplicações clínicas englobam, além da termogênese pelo frio, a estimulação da taxa metabólica basal, aumento de captação de glicose e lipídios sanguíneos retardando o desenvolvimento de resistência insulínica, melhorando do metabolismo do colesterol e associando-se positivamente a densidade mineral óssea.

A atividade do tecido adiposo marrom parece diminuir com a idade e é inversamente correlacionada com o IMC e adiposidade visceral (quantidade de gordura abdominal e nos órgãos vitais), sugerindo possível papel destes adipócitos na regulação da gordura corporal.

Estima-se que 50 gramas de "gordura marrom" podem gerar aproximadamente 20% do gasto energético de repouso (GER). Contudo, a quantidade deste tecido em seres humanos é muito heterogênea, o que dificulta a estimativa de contribuição para o GER e para o gasto energético total (GET).

A termogênese induzida pela refeição parece ser maior em indivíduos que possuem maior quantidade de tecido adiposo marrom, de modo que uma proporção maior das calorias da refeição pode ser convertida diretamente em calor, quando comparados a indivíduos com menos quantidade dessas células.

Recentemente, outro tipo de células adiposas foram encontradas no tacido adiposo de ratos e humanos, as células bege. Estas células parecem ser o resultado da transdiferenciação de adipócitos brancos em marrom, caracterizando um processo de escurecimento das células de gordura, chamado de "browning".

O processo de transdiferenciação ocorre quando uma célula adulta de um tecido torna-se outra célula adulta de outro tecido. As células bege são resultado desse processo ocorrente entre células adultas do tecido adiposo e parecem compartilhar características de adipócitos brancos e marrons, possuindo altos números mitocôndrias e expressando UCP-1.

O desenvolvimento dessas células acontece quando a termogênese na gordura branca é aumentada de forma acentuada em resposta a exposições crônicas ao frio ou estimulação β-adrenérgica prolongada. Desta forma, diferentes formas de ativação aguda do SNS semelhantes ao frio, como alimentação aguda e exercício físico –que estimulam o aumento da frequência cardíaca — surgem como estratégias moduladoras da transdiferenciação adipocitária.

Nos adipócitos marrons maduros, a ativação do SNS acarreta liberação de noradrenalina ligante a receptores β-adrenérgicos acoplados a proteína G, que ativam a adenilato ciclase, contribuindo para ativação de AMPc, proteína quinase A e p38MAPK. Posto isso, enzimas lipolíticas são ativadas aumentando a quantidade de AGLs e estimulando a UCP-1.

Descobertas recentes têm mostrado que novos ativadores de browning — ativação de TAM — atuam de forma independente à estimulação do SNS, tais como peptídeos cardíacos natriuréticos, irisina, IL-6, ácido β-aminoisobutírico (BAIBA) e fator de crescimento de fibroblastos 21 (FGF-21). Os peptídeos natriuréticos são hormônios produzidos pelo coração e suas ações tradicionalmente conhecidas são natriurese, diurese e vasodilatação, que juntos servem para neutralizar o estresse excessivo da parede cardíaca. Já os outros ativadores agem via produção de PGC1α (peroxisome proliferator-activated receptor-gamma coactivator 1 alpha), que está aumentado em situações como exercício, por responderem à biosíntese mitocondrial, auxiliando no fornecimento de metabolismo da energia.

A modulação dietética também parece influenciar vias de transdiferenciação com hipóteses baseadas em processos de estimulação do SNS, como dietas de jejum prolongado e dietas protéicas que aumentam a liberação de catecolaminas. Esta linha de pensamento pode ser defendida por estudos experimentais que mostraram não haver controle da temperatura corporal em exposição ao frio quando animais eram nocaute para estimulação de SNS e produção de catecolaminas. No sentido oposto, outras pesquisas mostraram resultados semelhantes com relação ao gasto energético quando há exposição leve ao frio ou superalimentação (160% do GET), durante três dias. Os autores sugerem que os mecanismos de termogênese e respostas geradas a partir desses protocolos podem ser os mesmo visto em respostas metabólicas.

Apesar de ainda existir poucas evidências que abordam as possíveis terapias para aumento de vias de estimulação da transdiferenciação adipocitária, a existência de TAM e adipócitos bege em humanos pode apresentar vias possíveis para resolver os problemas crescentes de desordens metabólicas e de obesidade.

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Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.