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Paola Machado

Pense bem antes de comer: a obesidade pode diminuir o tamanho do cérebro

Paola Machado

28/04/2019 04h00

Crédito: iStock

É sempre importante alertar sobre a obesidade. Afinal, ela é um problema de saúde pública crescente, que devemos ter atenção por ser multifatorial, crônico e levar a consequências preocupantes.

Todos sabemos dos prejuízos cardiovasculares, hepáticos e do risco de diabetes que o excesso de gordura corporal traz. Agora estudos científicos reforçam que ele causa até danos cerebrais.

Em janeiro desse ano, um estudo descobriu que pessoas obesas com uma alta relação cintura-quadril tinham volume cerebral ligeiramente menor, em comparação a pessoas que tinham um índice de massa corpórea dentro do normal. Sendo assim, a pesquisa demonstrou que essa gordura estava ligada a uma retração cerebral.

Um outro estudo desse ano analisou imagens cerebrais e relacionou que níveis mais altos de composição de gordura corporal estão  relacionados a quantidades reduzidas de massa cinzenta –uma área do cérebro que contém células nervosas. Esse achado era mais evidente em homens do que mulheres.

Apesar de sempre a ciência dizer que mais estudos são necessários para essa comprovação, esses estudos já dizem muito sobre o que a obesidade pode desencadear, pois essa retração de volume cerebral pode estar relacionado ao risco aumentado de declínio da memória e demência. Mesmo sendo esses achados recentes, já está evidenciado que a obesidade pode afetar o cérebro em vários aspectos, como:

  • Redução da saciedade A elevação de composição corporal de gordura pode levar à redução do processo de saciedade, ou seja, podemos desenvolver o processo compulsivo, principalmente por conta de problemas associados à sinalização central de leptina e grelina, além do rompimento da barreira hematoencefálica, como já publicado aqui na coluna. Para você ter uma ideia, um estudo que avaliou o cérebro de mulheres que ingeriam milkshake com frequência apontou que quanto mais peso elas ganhavam, menos o cérebro respondia ao milkshake, ficando evidente que havia um processo de "resistência" à saciedade.
  • Aumento da compulsão Existe uma região cerebral chamada córtex órbito frontal, que é uma região responsável pelo impulso. Em crianças obesas, essa região parece estar mais encolhida em comparação com crianças saudáveis. E, quanto menor essa região cerebral, maior a probabilidade de os adolescentes comerem compulsivamente. A obesidade é conhecida por causar alterações no sistema imunológico, aumentando a inflamação no corpo. Esse aumento da inflamação pode afetar o cérebro e levar a um ciclo vicioso, em que a obesidade gera uma inflamação que danifica certas partes do cérebro, o que leva a uma alimentação mais desequilibrada.
  • Risco de demência O aumento de gordura corporal leva à inflamação, causando impacto cerebral, principalmente de gordura visceral, que pode ser ainda mais impactante na demência.
  • Compulsão alimentar por reação ao estresse A dieta restritiva e o efeito iô-iô pode mudar a maneira como o cérebro reage ao estresse, de modo que, quando estamos cansados, por exemplo, podemos criar o comportamento de comer mais. Em um estudo divulgado na Neuroscience, um grupo de ratos fez uma dieta para perder de 10% a 15% do seu peso corporal. Em seguida, os ratos podiam ingerir alimentos normalmente, até voltar ao peso que tinham, semelhante ao efeito sanfona. Quando os ratos foram expostos a situações estressantes, como ouvir sons à noite, eles comiam mais comida do que aqueles que nunca haviam sido colocados em uma dieta restritiva. Assim, os ratos também tinham as mudanças na maneira como os genes são expressados, particularmente em genes envolvidos na regulação das respostas ao estresse. Os pesquisadores concluíram que essas modificações podem ter alterado o comportamento alimentar dos animais durante o estresse.
  • Perda de memória em mulheres após a menopausa Os hormônios liberados pela gordura podem causar inflamação e afetar a cognição. Um estudo analisou testes de memória de 8.745 mulheres com idade entre 65 e 79 anos. Os pesquisadores descobriram que um aumento de 1 ponto no índice de massa corporal (IMC) de uma mulher estava associado à redução de 100 pontos no teste de memória.
Referências:
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Obesity harms women's memory and brain function.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.