Conheça a disfunção que causa dor de cabeça, de ouvido, no rosto e coluna
Paola Machado
27/12/2018 04h00
Crédito: iStock
A articulação temporomandibular, apelidada de ATM, é uma articulação pequena que fica logo a frente da orelha, mais especificamente entre o osso temporal -parte fixa- e a mandíbula -parte móvel. Você pode não conhecê-la, mas para você ter uma ideia de sua importância, ela serve como uma "engrenagem" aos movimentos de rotação e translação e é considerada a articulação mais complexa do corpo humano, chegando a realizar cerca de 1500 a 2000 movimentos diários.
Mais "cientificamente" falando, o funcionamento correto da ATM se dá graças às estruturas ósseas do crânio e mandíbula, separadas por um disco articular preso por ligamentos, músculos e inervação, além de uma rica vascularização. Todas estas estruturas são protegidas por uma cápsula articular internamente revestida por uma membrana sinovial, que secreta e confina o líquido sinovial, o responsável pela lubrificação, suprimento nutricional e metabólico para a ATM, permitindo movimentos suaves durante a mastigação, deglutição e fala, por exemplo.
A complexidade desta articulação se dá por envolver diversas estruturas e funções. O seu correto funcionamento requer o trabalho sincronizado de seus próprios componentes estruturais associados a componentes biomecânicos, tornando-a vulnerável a alterações funcionais que levam a desarranjos como a disfunção temporomandibular.
O que é a disfunção temporomandibular?
Agora que você conhece a articulação temporomandibular, precisa conhecer sua disfunção. A disfunção temporomandibular, chamada de DTM, é um conjunto de disfunções musculares e articulares das regiões orofaciais, com causa multifatorial, ou seja, as alterações podem ser estruturais, neuromusculoesqueléticas ou emocionais, que em conjunto atingem o sistema cervicocraniomandibular e apresenta diversos sintomas.
A DTM acomete mais mulheres do que homens, em uma proporção de cinco para um, e pode estar presente em todas as idades, mas a maior procura por tratamento é por pessoas na faixa de 20 a 40 anos. Além disso, a disfunção pode afetar as atividades da rotina, a interação psicossocial e, de modo geral, a qualidade de vida do paciente.
Causas e fatores de riscos que levam a DTM:
A DTM possui uma etiologia multifatorial, com fatores que podem desencadear, perpetuar e contribuir para o seu surgimento, entre os principais temos:
- Hábitos parafuncionais: Os hábitos parafuncionais em sua maioria recebem influência de estímulos do sistema nervoso central que provocam contrações prolongadas de determinado grupamento muscular inseridos à articulação sobrecarregando-a. A longo prazo leva a um quadro degenerativo articular. Podemos citar como alguns desse hábitos o ato de morder unha, objetos como lápis e canetas, tabagismo, consumo constante de chicletes e alimentos duros. Mas atualmente o hábito mais presente em pessoas que apresentam a DTM são o apertamento dentário, bruxismo e também a má postura em cervical e cabeça. Ambos podem ocorrer tanto durante o dia em vigília quanto durante o sono. O combate aos hábitos parafuncionais se dá com a efetiva reeducação comportamental e uso de recursos que os cessem, mas sempre com a importância de se associarem em conjunto aos demais objetivos do processo de reabilitação.
- Alterações Oclusais: As alterações oclusais mais freqüentes são a falta de dentes, perda de guias oclusais, entre outros.
- Alterações Sistêmicas: Os problemas sistêmicos encontrados são frouxidão ligamentar, fibromialgia, distúrbios hormonais e transtornos do sono.
- Alterações Estruturais: Alterações estruturais relacionadas a malformações esqueléticas e encurtamento do lábio superior.
- Fatores Somato emocionais: Podemos citar como transtornos emocionais a depressão, ansiedade aguda e estresse.
- Traumatismos: Os microtraumatismos locais podem ocorrer pela freqüência de hábitos parafuncionais e macrotrumatismos na face devido a fraturas e processos inflamatórios além de indiretos ocasionados por movimentos súbitos como a Síndrome do Chicote Cervical.
Sintomas da DTM:
Os sintomas são diversos, e podemos separá-los em uma ordem de mais frequentes para menos frequentes, como:
- Dores de cabeça;
- Dor na coluna cervical;
- Dores nos músculos da face e ATM;
- Ruídos articulares (estalido e crepitação);
- Limitação de movimentos e/ou desvios dos movimentos da mandíbula;
- Dor de ouvido;
- Zumbido ou vertigens;
- Cansaço nos músculos faciais;
- Dores nos dentes;
- Alterações oftálmicas;
- Sinais autonômicos.
Acometimentos associados:
A DTM está associada ao desequilíbrio de todo o corpo, pois, uma articulação com disfunção não só cria desconforto local, mas pode inibir ou hiperativar músculos de outras estruturas próximas, gerando uma série de compensações posturais.
Uma estrutura intimamente ligada a DTM é a coluna cervical, devido à sua proximidade e interação. Há uma forte relação entre dor de cabeça e dor na coluna cervical com a DTM. Atualmente devido ao uso constante do celular e de notebooks em posturas inadequadas, tanto a cabeça quanto a cervical mal posicionadas sobrecarregam as estruturas intra-articulares.
Quando bem indicado, o tratamento da DTM pode melhorar quadros de cefaléias e cervicalgias, desde que estes tenham relação, para isso se faz necessário uma avaliação criteriosa. Lembrando que só é definido como DTM a presença em conjunto de alterações estruturais, neuromusculoesqueléticas e somato emocionais.
Tratamento:
Para uma efetiva reabilitação a DTM requer muitas das vezes uma intervenção multidisciplinar entre os profissionais da fisioterapia, odontologia, medicina, psicologia e fonoaudiologia. Em cada caso clínico, as causas devem ser investigadas e a intervenção em conjunto beneficia o tratamento do paciente.
No caso da fisioterapia, ela se mostra uma grande aliada no alívio de dor e retorno da funcionalidade. Através de uma avaliação global do histórico, estruturas articulares, musculares e funções alteradas é possível traçar um tratamento eficaz com o uso de terapias manuais, recursos como a laserterapia e exercícios terapêuticos nas musculaturas mastigatórias intra-orais, extra-orais e adjacentes, amenizando os sintomas, estimulando a propriocepção e produção de líquido sinovial na articulação e melhorando a elasticidade das fibras musculares aderidas. Faz se necessário o reequilíbrio do complexo acometido, manutenção da estabilidade do quadro e correção dos acometimentos associados a DTM, onde neste caso demais estruturas do corpo se relacionam.
O diagnóstico e tratamento precoce potencializam a reabilitação, procure sempre um profissional da área da saúde. E lembre-se que o trabalho interdisciplinar desses profissionais será um aliado no seu tratamento.
*Colaboração das fisioterapeutas Renata Luri e Bruna Farias Barreto, graduada pela Universidade Federal de São Paulo.
Referências:
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Sobre a autora
Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP
Sobre a coluna
Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.