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Gordura visceral é mais prejudicial que a subcutânea? Entenda as diferenças

Paola Machado

05/08/2019 04h00

Crédito: iStock

Não existe um padrão de armazenamento e redução de gordura em nosso corpo. A vida seria ótima se escolhêssemos onde e como a gordura seria estocada. Imagine só comer um brigadeiro e escolher como e onde o estocaria? Seria tudo bem mais fácil.

Armazenamos a gordura corporal em regiões diferentes. Uns armazenam nas coxas, outros nos glúteos, outros nos braços, outros no abdome. Outros tem uma forma mais uniforme de armazenar e alguns em regiões mais específicas. Embora, visualmente, a gordura em certos locais tende a nos trazer algumas preocupações, principalmente estéticas, a circunferência abdominal elevada é uma grande preocupação à nossa saúde.

O tecido adiposo, que por muitos anos foi considerado apenas um reservatório de energia em forma de triglicerídeos (TAG), hoje é reconhecido como um órgão endócrino capaz de produzir e secretar diversas substâncias que atuam sistematicamente no organismo. Tais substâncias são denominadas adipocinas e conferem ao tecido adiposo —principalmente quando em excesso — característica inflamatória e a associação com grande parte das doenças relacionadas a esse excesso.

A localização desse tecido adiposo também cumpre diferentes papéis no nosso organismo. Os dois principais tipos de gordura armazenada em nosso corpo são a gordura subcutânea e visceral:

  • Tecido adiposo subcutâneo A gordura subcutânea é a gordura corporal que se encontra entre a pele e o músculo. É antilipolítica e os ácidos graxos derivados da sua hidrólise —quebra — encaminham-se para a circulação sistêmica. Por isso, essa gordura é menos nociva à saúde. Ela pode ser avaliada com adipômetro — dobras cutâneas — e costuma trazer um incômodo mais estético. 
  • Tecido adiposo visceral A gordura visceral é a que fica localizada entre a parede posterior do músculo reto abdominal e a parede anterior da artéria aorta. Tem uma grande quantidade de receptores adrenérgicos, sendo altamente lipolítica. Os ácidos graxos derivados da lipólise — quebra de lipídeos — desse tecido direcionam-se para a circulação portal, passando, primeiramente pelo fígado e, depois, entrando na circulação sistêmica. Esse processo exacerbado causa o influxo (volta) de ácidos graxos para o fígado, sobrecarregando-o. Por produzir uma maior quantidade de adipocinas pró-inflamatórias, esse tecido adiposo é mais perigoso e está relacionado a doenças como esteatose hepática não alcoólica — gordura no fígado —, dislipidemias, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Deve ser mensurada por bioimpedância, DEXA, bobpod, termografia, ultrassonografia e outras medidas mais complexas.

Qual é a diferença?

Tanto a gordura subcutânea como a visceral, além de serem reservas de energia, também têm funções endócrinas. Eles liberam hormônios e proteínas como a leptina, adiponectina, IL-6, TNF-α e angiotensina, que ajudam a regular outros órgãos e processos em nosso corpo. No entanto, acredita-se que os hormônios e proteínas secretados pela gordura visceral sejam mais pró-inflamatórios que a gordura subcutânea.

Esta é uma das razões pelas quais o excesso de gordura visceral está mais fortemente associado a doenças metabólicas (ou seja, resistência à insulina e diabetes tipo 2) e doença cardiovascular, em comparação ao excesso de gordura subcutânea.

A proximidade da gordura visceral à veia porta (uma veia que transporta o sangue diretamente para o fígado) é outra hipótese porque o excesso de gordura visceral tem maiores efeitos negativos sobre a saúde.

Por que não podemos padronizar o excesso de gordura corporal ? 

Quando pensamos na gordura padronizamos, pois pensamos na gordura simplesmente pela gordura. O excesso de gordura corporal e a classificação da obesidade são complexos e podem ocorrer de diferentes formas, isto é, quanto à sua origem, localização, crescimento do tecido adiposo e morbidade. Por isso, não existe uma obesidade padrão.

Quanto à localização

  • Tipo I Excesso de massa corporal total ou percentual de gordura corporal.
  • Tipo II Excesso de gordura subcutânea troncoabdominal — androide.
  • Tipo III Excesso de gordura visceral abdominal.
  • Tipo IV Excesso de gordura gluteofemoral — ginoide.

Quanto à origem

  • Endógena De origem congênita, endócrino ou secundária ao uso de medicamentos.
  • Exógena Resultado do estilo de vida inadequado — sedentarismo, maus hábitos alimentares e fatores psicológicos.

Quanto ao crescimento do tecido adiposo

  • Hipertrófico Aumento da célula adiposa em resposta ao maior acúmulo de gordura dentro dos adipócitos.
  • Hiperplásica Aumento do número de células adiposas.

Quando a morbidade 

  • Grau I ou leve Índice de massa corporal entre 30 kg/m² ou 34.2 kg/m².
  • Grau II ou moderada Índice de massa corporal entre 35 kg/m² ops 39.9 kg/m².
  • Grau III ou grave Índice de massa corporal maior que 40 kg/m².

Como eu sei se tenho excesso de gordura visceral?

Existem vários tipos de exames que podem identificar sua proporção e volume de gordura subcutânea e visceral. No entanto, uma estimativa fácil para você buscar ajuda — que pode ser um start — pode ser obtida com uma fita métrica simples. Apesar de não dar números exatos sobre a quantidade dos diferentes tipos de gordura, o cálculo de circunferência de cintura/quadril pode ser uma estratégia inicial e subjetiva para você buscar auxílio profissional.

Existem também outras estratégias combinadas que podemos utilizar, como:

Como sei que estou reduzindo gordura visceral?

Quando detectamos que temos gordura visceral, é natural que o médico solicite exames mais detalhados. Hoje em dia, além de exames de imagem, também contamos com o DEXA, que ajuda a observar onde está armazenada essa gordura. Os exames bioquímicos costumam alterar e essa alteração ocorre em aumentos de colesterol, aumento de triglicérides, pré-diabetes com alteração de glicemia e HOMA-IR (resistência a insulina), alterações no TGO e TGP (marcadores hepáticos) com consequente aparecimento de gordura no fígado — esteatose hepática. Além do mais, pode acontecer aumento de pressão arterial.

Sempre reforço para os meus pacientes que o excesso de gordura corporal pode ser silencioso, sendo que hoje sua saúde pode estar 100%, mas isso, daqui a 10 anos, pode mudar muito rapidamente.

Com a idade é natural que ocorra uma redução da quantidade de musculatura do nosso corpo — essa redução é fisiológica, estando relacionada a muitas modificações de secreções hormonais. Com essa redução de musculatura ocorre uma redução da taxa metabólica basal com consequente acúmulo de gordura corporal — por esse motivo que dizem que é tão difícil de emagrecer depois de certa idade, porque as pessoas se preocupam mais com o que estão vendo, em vez de focar em cuidar da musculatura.

Observem na tabela abaixo como o nosso percentual de gordura aumenta com a idade.

Por isso, conforme tomamos medidas de mudança de estilo de vida, inclusão de uma rotina de exercícios de musculação combinados com aeróbios ou HIIT e melhora das escolhas alimentares, é natural que com a redução da gordura visceral os exames bioquímicos devam se normalizar e todas as medidas também — como consequência de todo um processo.

Como disse no início do texto, não escolhemos como e onde armazenamos a gordura corporal, nem como perdemos. Por isso é essencial uma redução do percentual total de gordura corporal.

Referências:
– Dâmaso, A. Nutrição e exercício na prevenção de doenças. Segunda edição. Guanabara Koogan. 2012.
– Pérusse, L. et al. Familial aggregation of abdominal visceral fat level: results from the Quebec family study. Metabolism. 45, 378–82 (1996).
– Schleinitz, D., Böttcher, Y., Blüher, M. & Kovacs, P. The genetics of fat distribution. Diabetologia 57, 1276–1286 (2014).
– Kim, K. S., Choi, S. M., Shin, S. U., Yang, H. S. & Yoon, Y. Effects of peroxisome proliferator-activated receptor-gamma 2 Pro12Ala polymorphism on body fat distribution in female Korean subjects. Metabolism. 53, 1538–43 (2004).
– Passaro, A. et al. PPARγ Pro12Ala and ACE ID polymorphisms are associated with BMI and fat distribution, but not metabolic syndrome. Cardiovasc. Diabetol. 10, 112 (2011).
– Chu, A. Y. et al. Multiethnic genome-wide meta-analysis of ectopic fat depots identifies loci associated with adipocyte development and differentiation. Nat. Genet. 49, 125–130 (2016).
– Klein, S. et al. Absence of an effect of liposuction on insulin action and risk factors for coronary heart disease. N. Engl. J. Med. 350, 2549–57 (2004).
– IRVING, B. A. et al. Effect of Exercise Training Intensity on Abdominal Visceral Fat and Body Composition. Med. Sci. Sport. Exerc. 40, 1863–1872 (2008).
– Giannaki, C. D., Aphamis, G., Sakkis, P. & Hadjicharalambous, M. Eight weeks of a combination of high intensity interval training and conventional training reduce visceral adiposity and improve physical fitness: a group-based intervention. J. Sports Med. Phys. Fitness 56, 483–90 (2016).
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Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.