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Paola Machado

Devo comer quantas horas antes de dormir? O jantar engorda?

Paola Machado

25/02/2019 04h00

Crédito: iStock

Até que horas posso comer à noite? Faz mal comer pouco antes de dormir? Será que isso interfere no sono e no ganho de peso?

Comer antes de dormir há muito tempo é considerado um "erro" no processo de perda de peso, o que leva alguns indivíduos empenhados em uma rotina saudável a parar de ingerir qualquer alimento depois das 20h. Por outro lado, muitas pessoas comem de noite por estarem sem nada para fazer, por hábito, por despertar a "fome emocional" e, nesse conjunto de fatores, acabam sobrecarregando essa refeição do dia. Então, será que comer de noite é mesmo um problema ou o problema está nas escolhas?

Todas nossas refeições têm a sua devida importância, desde o café da manhã até a ceia. Existem pequenos erros e escolhas que cometemos durante o nosso dia que precisamos entender antes de responder a pergunta principal do texto.

O que você precisa saber é que o seu corpo tem uma necessidade de energia (calorias) diária, que é calculada de acordo com sua taxa metabólica basal, nível de atividade física e diversos fatores individuais –por isso é tão importante buscarmos auxílio profissional, pois o cálculo é complexo e individual.

Se ao longo do dia você consumir menos calorias do que o organismo gasta, vai haver um déficit calórico. Esse balanço energético negativo auxilia no processo de perda de peso. Porém, quando mal executado, pode levar ao processo de supercompensação calórica no fim do dia. Aí, no jantar você acaba comendo mais do que deve e sobrecarregando a refeição por conta do que deixou de comer.

Nosso organismo cobra essa energia, por isso, a oferta calórica precisa estar bem distribuída. Deixar de comer no café da manhã por falta de fome, com certeza te fará compensar em algum momento do seu dia –devemos levar em consideração aqui que a grelina, hormônio que regula o apetite, tem uma melhor atividade de manhã, evitando que você coma muito durante o dia. A compensação durante o dia pode acontecer, o que não pode é a sobrecarga e a supercompensação, ou seja, consumir mais alimentos por conta de um processo de fome extrema e incontrolável.

Apesar de alguns estudos em camundongos mostrarem que os que comem em oposição ao seu ritmo circadiano ganham significativamente mais peso do que os ratos que só comem durante as horas de vigília, já adianto que acredito em outros estudos (elencados nas referências) opostos realizados com humanos, que mostram que o seu corpo não escolhe nem onde vai estocar ou perder a gordura e muito menos o horário do dia para armazená-la ou perdê-la, e sim os seus hábitos ditarão o que fará você ter resultados. Na verdade, o que e quanto você come é muito mais importe do que quando você come.

Quando você está "cego no alimento" e quer só comer por comer, a única coisa que não pensará é na quantidade calórica. O objetivo da qualidade do alimento fica perdido nesse processo, mas isso não significa que seu corpo processará o alimento de forma diferente; o que fará com que isso aconteça é que um jantar normal –composto por um carboidrato, salada e proteína — não pode se transformar em dois grandes pratos de macarrão instantâneo, pois, este último sim te levará ao ganho de peso em qualquer momento do seu dia.

Comer muito no final do dia pode estar diretamente relacionado a comer muito pouco no início do dia e é esse padrão que leva ao consumo excessivo. Então, os petisqueiros noturnos devem ter certeza de que estão tomando um café da manhã e um almoço adequados.

Pessoas que comem de noite costumam comer mais

Comer à noite não engorda mais do que de dia, o problema é que pessoas que comem perto da hora de dormir tendem a fazer pratos maiores (ou repetir a refeição), além de ingerir alimentos mais calóricos, apontou estudo com 59 pessoas.

Outro estudo descobriu que as pessoas que comiam entre as 23h e as 5h da manhã consumiam cerca de 500 calorias a mais por dia do que aquelas que distribuíam melhor as calorias no decorrer do dia; com isso, esses indivíduos ganharam, em média, 4.5 kg a mais que os outros.

Escolhas alimentares mais pobres são mais prováveis de acontecer de noite por esse ser um horário em que temos menos opções saudáveis disponíveis. Comer ou comer emocionalmente, quando se  está cansado ou estressado, também pode levar a escolhas ruins.

Pessoas com IMC mais alto tendem a ter síndrome do comer noturno (SCN)

Um estudo com mais de 400 participantes mostrou que o lanche noturno mais calórico e os despertares de fome estavam associados ao IMC, ou seja, quanto maior o peso e o grau de obesidade, mais propenso o indivíduo está a desenvolver a síndrome do comer noturno (SCN).

Fonte: Colles, S.L.; et al (2007). Distribuição de todos os sujeitos com SCN, de acordo com a categoria do IMC. Em cinco categorias de IMC, a prevalência de SCN aumenta com o aumento do IMC e é estatisticamente diferente entre os grupos (P<0,001).

O SCN tem uma associação direta com a obesidade, além do mais tem um risco elevado de distúrbio psicológico e compulsivo, podendo desencadear sentimentos de culpa e sofrimento emocional. O estudo mostra também que esse comportamento é maior em pessoas com excesso de peso e do gênero masculino.

Comer de noite é diferente de comer logo antes de dormir

Estou aqui pontuando no comer de noite e não no comer antes de dormir. Comer imediatamente antes de dormir pode levar ao ganho de peso, mas os pesquisadores não identificaram o culpado exato. O sono e a fonte de calorias parecem ser os dois principais vilões. Estudos indicam que as calorias ingeridas na madrugada afetam os ciclos de sono, atrapalhando o ritmo normal do corpo.

Uma pesquisa realizada pela Northwestern University mostrou que comer antes de dormir pode interferir no ritmo circadiano do corpo. Se você ingere um alimento logo antes de se deitar, principalmente alimentos mais calóricos, o seu corpo, que deveria estar trabalhando em todo o processo do sono, acaba tendo que dividir seus esforços para realizar a digestão.

Refeições realizadas logo antes de dormir podem elevar a glicemia e, com o tempo, gerar acúmulo de gordura corporal, resistência à insulina e diabetes tipo 2, desregulando o padrão de sono e aumentando desejos por alimentos calóricos no outro dia.

Além do mais, comer e ir dormir, especialmente se for uma grande refeição, aumenta o risco de azia, pois o refluxo esofágico ocorre quando o estômago está excessivamente cheio e nos deitamos, fazendo com que o conteúdo do estômago reflua para o esôfago, causando desconfortos e prejudicando o sono.

Mais: de acordo com um estudo publicado pela revista The Proceedings, depois de uma noite mal dormida, os hormônios que desencadeiam o aumento do apetite elevam, enquanto os que despertam a saciedade reduzem.

Dicas gerais

Distribua bem a alimentação e a ingestão calórica durante o dia. Ingerir um bom aporte de calorias durante o seu dia e fazer refeições pequenas e com frequência evita o excesso à noite. A distribuição calórica ideal costuma ser:

  • 20% a 25% no café da manhã;
  • 5% a 10% no lanche da manhã;
  • 30% a 40% no almoço;
  • 5% a 15% lanche da tarde;
  • 15% a 40% no jantar;
  • 5% a 10% na ceia.

Lembrando que esses percentuais dependem da distribuição da alimentação diária.

– Faça uma refeição leve de noite, aproximadamente 1 hora e 30 minutos a 2 horas antes de dormir, para permitir que ocorra a digestão adequada, evitando desconforto gastroesofágicos e não prejudicando o sono.

– Mate a fome com o alimento certo. Se você estiver com fome fisiológica — já fiz um texto sobre como diferenciá-la da fome emocional — ingira um alimento leve, de boa digestibilidade, para evitar quadros de hipoglicemia, que podem desencadear desejos intensos por alimentos calóricos e até quadros de compulsão alimentar.

– Pense antes de comer. Se o seu desejo de comer de noite for simplesmente pelo hábito de comer um pote de sorvete, uma pipoca, um lanche, enfim, alimentos calóricos, pense. Analise. Tenha consciência da sua escolha e do que aquilo pode acarretar e troque pela ingestão de alimentos menos calóricos.

Concentre-se em melhorar a qualidade do sono, evitando alimentos com alto teor de açúcar diretamente antes de dormir. Evite atividades que remetam a comer. Exemplo: ver televisão.

Em geral, é melhor se concentrar em quantas vezes você come e no que você está comendo. Para apoiar o metabolismo e a digestão saudáveis ​​e gerenciar energia e peso, normalmente é melhor comer com uma frequência determinada, fazendo todas as refeições. Tente evitar alimentos calóricos e açucarados de noite e inclua sempre algumas proteínas magras e carboidratos complexos ricos em fibras em cada refeição e lanche.

Referências:
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– Gluck, M.E.; et al. Nighttime eating: commonly observed and related to weight gain in an inpatient food intake study. Am J Clin Nutr. 88(4):900-5. 2008.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.