Topo

Paola Machado

Falsos magros, cuidado! Gordura na barriga é perigosa para todos

Paola Machado

02/11/2018 04h00

Crédito: iStock

Que o excesso de peso faz mal, quase todas as pessoas já sabem. Mas você sabia que até quem está dentro do "peso normal" e aparentemente é magro, porém possui muita gordura na região abdominal, tem o risco de desenvolver problemas de saúde aumentado?

A gordura na barriga se acumula entre as vísceras –por isso é chamada de visceral — e órgãos vitais, prejudicando seu funcionamento, por isso deve ser uma preocupação tanto para quem está acima do peso e tem aquela famosa barriga de chope quanto para quem é "falso magro". Diabetes tipo 2, pressão e colesterol altos, doenças cardiovasculares, apneia do sono e síndrome metabólica são só alguns problemas que esse tipo de gordura pode trazer.

Obviamente, o excesso de gordura em qualquer parte do corpo pode contribuir para doenças, mas nem toda gordura é armazenada da mesma forma. A abdominal é estocada de duas maneiras diferentes:

– A gordura subcutânea, que fica entre a pele e a parede abdominal. Ela é mais um "reservatório natural de energia (calorias)" e não ameaça tanto sua saúde, uma vez que não envolve diretamente os órgãos e os vasos sanguíneos que os mantêm saudáveis.

– A gordura visceral, que fica mais profunda ao redor de órgãos vitais, como o estômago e o fígado.

Como a gordura prejudica os órgãos

Todo mundo tem alguma quantidade de gordura visceral, mas ela é preocupante quando excede os níveis normais. Em alguns casos, a gordura pode invadir os órgãos –uma ocorrência comum no fígado, levando a esteatose hepática não alcoólica.

A gordura visceral no órgão vital afeta negativamente sua função e integridade, aumentando o poder inflamatório, prejudicando a circulação –o que impede a entrega de nutrientes e oxigênio aos órgãos — e, eventualmente, causando resistência à insulina.

A resistência à insulina, como já abordei em um texto sobre síndrome metabólica, é um precursor do diabetes, sendo uma condição pela qual o músculo, a gordura e o fígado não respondem mais adequadamente aos suprimentos circulantes de insulina. Isso significa que a substância –um hormônio produzido no pâncreas que "leva" a glicose para dentro das células do corpo para satisfazer suas necessidades de energia — não pode fazer seu trabalho.

Assim, as células "morrem de fome" enquanto o excesso de glicose se acumula no sangue, acabando por danificar órgãos e vasos por todo o corpo. Além disso, as células adiposas viscerais também produzem hormônios que regulam o peso e o apetite, às vezes levando a mais ganho de peso ou aumento da sensação de fome —ciclo leptina e grelina.

Exames importantes

As preocupações com a gordura visceral são inúmeras e temos que procurar uma equipe profissional capacitada para realizar análises clínicas específicas, bioimpedância comparada à análise de dobras cutâneas, circunferência mais precisa, bem como pedidos de exames de imagem e de sangue.

Lembre-se de que a composição corporal é essencial para saber, de fato, o quanto de gordura corporal você tem; assim faz-se imprescindível avaliações específicas para saber onde essa gordura está estocada.

Dito isso, há inúmeros testes subjetivos que devem ser combinados para uma resposta eficiente –e nunca usados como análise única. São eles:

– Índice de massa corporal (IMC) Esse cálculo é o mais subjetivo de todos e deve ser utilizado como estratégia complementar de uma intervenção. Ele é subjetivo pois utiliza como referência gênero, idade, estatura e peso. O peso é constituído por fatores como massa magra e gordura corporal –e 10 kg de músculos pesa o mesmo que 10 kg de gordura, só que ocupa menos espaço, além de ser um tecido importante para a saúde. Se você é uma pessoa com muita massa magra e utiliza o teste de IMC como único referencial, pode se assustar com o resultado e até ser considerado obeso mesmo que não tenha um percentual de gordura elevado no corpo. Por esse motivo, é necessário combinar esse teste com os demais, para saber se, de fato, o resultado é fidedigno.

– Relação cintura-quadril É um cálculo que compara a circunferência de cintura e de quadril utilizando uma fita métrica. Tire a medida da cintura em seu ponto mais estreito –use o umbigo como seu guia — e divida pela medida do quadril em seu ponto mais largos -próximo ao topo das protuberâncias ósseas. Resultados de 0,8 e abaixo são saudáveis e aqueles acima de 0,8 sugerem um risco aumentado para doenças cardíacas e diabetes.

– Circunferência de cintura Alguns estudos apontam a circunferência da cintura como um determinante com potencial para expressar a quantidade de gordura da barriga. Meça a circunferência da cintura expirando. O risco muito elevado de desenvolver problemas de saúde relacionados à obesidade –como doenças cardiovasculares — aumenta em mulheres com cintura maior que 89 cm e em homens com uma circunferência maior que 101 cm.

– Índice de conicidade (IC) É calculado utilizando-se o peso, a estatura e a circunferência da cintura, de acordo com a fórmula da figura abaixo. O IC é baseado na ideia de que as pessoas que acumulam tecido adiposo na região abdominal têm a forma parecida com um duplo cone, ou seja, dois cones que apresentam a mesma base. Estudos realizados com o IC e comparando-o aos demais indicadores antropométricos verificaram que o mesmo é um bom preditor para a identificação de obesidade visceral, de resistência à insulina em mulheres adultas, de marcadores inflamatórios em pacientes em hemodiálise e de lipodistrofia em pacientes com sorologia positiva para HIV. Por sua vez, foi demonstrado que o índice de conicidade não é um bom indicador de resistência à insulina em homens e é pouco específico para crianças.

– Circunferência de pescoço A medida de pescoço também deve ser comparada junto com todas as medidas. Um trabalho publicado na revista Pediatrics comprovou a ligação entre um pescoço mais largo e ocorrência de complicações por excesso de peso. Neste estudo, a circunferência média do pescoço masculino era de 40,5 cm e do feminino, 34,2 cm. Quanto maior a circunferência, maiores os fatores de risco.Para cada quase 3 cm a mais de pescoço, os homens apresentavam 2,2 mg a menos de bom colesterol por dl de sangue (mg/dl) e as mulheres, 2,7 mg/dl.

A gordura visceral é sim um problema, mas pode ser reduzida com a dieta, atividade física, controle do sono e estresse. Lembre-se que exercícios abdominais não fazem você perder a gordura da barriga e sim fortalecer os músculos. Para reduzir o percentual de gordura abdominal você deve, principalmente, se alimentar bem e também combinar exercícios aeróbicos intensos com musculação, que aumenta o percentual de massa muscular e, consequentemente, o metabolismo. Tem mais: evite o estresse e procure dormir bem, pois a falta de sono e a tensão elevada aumenta o nível de hormônios estressores — como o cortisol –, fazendo com que ocorra aumento de peso.

Referências:
– Abdominal visceral and subcutaneous adipose tissue compartments: association with metabolic risk factors in the Framingham Heart Study. Fox, C., Massaro, J., Hoffman, U., et al. National Heart, Lung and Blood Institute's Framingham Heart Study, Framingham, Mass, USA. Circulation, 2007 Jul 3;116(1):39-48.
– Beneficial effects of subcutaneous fat transplantation on metabolism. Tran, T., Yamamoto, Y., Gesta, S. et al. Joslin Diabetes Center and Harvard Medical School, Boston, MA. Cell Metabolism, 2008 May;7(5):410-20.
– Metabolic obesity: the paradox between visceral and subcutaneous fat. Hamdy, O., Porramatikul, S., Al-Ozairi, E. Joslin Diabetes Center, Harvard Medical School, Boston, MA, USA. Current Diabetes Review, 2006 Nov;2(4):367-73.
– Obesity, Visceral Fat, and NAFLD: Querying the Role of Adipokines in the Progression of Nonalcoholic Fatty Liver Disease. Mirza, M. SpR Surgery, Ninewells Hospital, Dundee, UK. ISRN Gastroenterology, 2011;2011:592404.
– Brown fat lipoatrophy and increased visceral adiposity through a concerted adipocytokines overexpression induces vascular insulin resistance and dysfunction. Gomez-Hernandez, A., Otero, Y., de las Heras, N., et al. Biochemistry and Molecular Biology Department, School of Pharmacy, Complutense University of Madrid, Madrid, Spain. Endocrinology, 2012 Mar;153(3):1242-55.
– Adipose tissue as an endocrine organ. Galic, S., Oakhill, J., and Steinberg, G. St. Vincent's Institute of Medical Research and Department of Medicine, University of Melbourne, Melbourne, Victoria, Australia. Molecular and Cellular Endocrinology, 2010 Mar 25;316(2):129-39.
– A weight shape index for assessing risk of disease in 44,820 women. Rimm, A., Hartz, A., and Fischer, M. Department of Medicine, Medical College of Wisconsin, Milwaukee. Journal of Clinical Epidemiology, 1988;41(5):459-65.
– The association of lifetime alcohol use with measures of abdominal and general adiposity in a large-scale European cohort. Bergmann, M., Schutze, M., Steffen, A., et al. Department of Epidemiology, German Institute of Human Nutrition Potsdam-Rehbrücke, Nuthetal, Germany. European Journal of Clinical Nutrition, 2011 Oct;65(10):1079-87.
– Relationship of abdominal obesity with alcohol consumption at population scale. Scroder, H., Morales-Molina, J., Bermejo, S., et al. Lipids and Cardiovascular Epidemiology Research Unit, Institut Municipal d'Investigació Mèdica, Barcelona, Spain. European Journal of Nutrition, 2007 Oct;46(7):369-76.
– Body mass index, waist circumference and waist:hip ratio as predictors of cardiovascular risk–a review of the literature. Huxley, R., Mendis, S., Zhelezyakov, E., et al. Renal and Metabolic Division, The George Institute for International Health, The University of Sydney, Sydney, Australia. European Journal of Clinical Nutrition, 2010 Jan;64(1):16-22.
– Waist circumference in children and adolescents correlate with metabolic syndrome and fat deposits in young adults. Spolidoro, JV, Pitrez Filho, ML, Vargas LT, et al. Medical School of the Pontifficia Universidade Catolica do RS, Moinhos de Vento Hospital, Porto Alegre, Brazil. Clinical Nutrition, 2012 Jul 28.
– A systematic review and meta-analysis of the effect of aerobic vs. resistance exercise training on visceral fat. Ismail, I., Keating, S., Baker, M., et al. Discipline of Exercise and Sport Science, University of Sydney, Sydney, New South Wales, Australia. Obesity Reviews, 2012 Jan;13(1):68-91.
– Effects of aerobic vs. resistance training on visceral and liver fat stores, liver enzymes, and insulin resistance by HOMA in overweight adults from STRRIDE AT/RT. Slentz, C., Bateman, L., Willis, L., et al. Div. of Cardiology, Dept. of Medicine, Duke Univ. Medical Center, Durham, NC, USA. American Journal of Physiology: Endocrinology and Metabolism, 2011 Nov;301(5):E1033-9.
– The effect of high-intensity intermittent exercise on body composition of overweight young males. Heydari, M., Freund, J., Boutcher, S.H. School of Medical Sciences, Faculty of Medicine, University of New South Wales, Sydney, Australia. Journal of Obesity, 2012;2012:480467.
– Relationship between bread consumption, body weight, and abdominal fat distribution: evidence from epidemiological studies. Bautista-Castano, I. and Serra-Marjem, L. Department of Clinical Sciences, University of Las Palmas de Gran Canaria, Las Palmas de Gran Canaria, Spain. Nutrition Reviews, 2012 Apr;70(4):218-33.
– Stress-induced cortisol response and fat distribution in women. Moyer, A., Rodin, J., Grilo, C., et al. Department of Psychology, Yale University, New Haven, CT, USA. Obesity Research, 1994 May;2(3):255-62.
– Obesity and metabolic syndrome: Association with chronodisruption, sleep deprivation, and melatonin suppression. Reiter, R., Tan, D., Korkmaz, A., et al. Department of Cellular and Structural Biology, UT Health Science Center , San Antonio, Texas USA. Annals of Medicine, 2011 Jun 13.
– BARBOSA, L.; CHAVES, O. C.; RIBEIRO, R. C. L. Anthropometric and body composition parameters to predict body fat percentage and lipid profile in schoolchildren. Rev Paul Pediatr, v.30, n.4, p.520-528, 2012.
FERREIRA, A. P. et al. Prediction of metabolic syndrome in children through anthropometric indicators. Arq Bras Cardiol, v.96, n.2, p.121-125, 2011.
– NADEEM, A. et al. Cut-off values of anthropometric indices to determine insulin resistance in Pakistani adults. J Pak Med Assoc, v.63, n.10, p.1220-1225, 2013.
– PITANGA, F. J. G.; LESSA, I. Sensibilidade e especificidade do índice de conicidade como discriminador do risco coronariano de adultos em Salvador, Brasil. Rev Bras Epidemiol, v.7, n.3, p.259-269, 2004.
– RUPERTO, M.; BARRIL, G.; SÁNCHEZ-MUNIZ, F. J. Conicity index as a contributor marker of inflammation in haemodialysis patients. Nutr Hosp, v.28, n.5, p.1688-1695, 2013.
– RORIZ, A. K. et al. Evaluation of the accuracy of anthropometric clinical indicators of visceral fat in adults and elderly. PLoS One, v.9, n.7, p.e103499, 2014.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.