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Paola Machado

Comendo muito na quarentena? Veja como controlar essa "fome"

Paola Machado

21/05/2020 04h00

Crédito: iStock

Nesta quarentena, muita gente está se queixando que está comendo muito mais do que antes —e que a qualidade da dieta também está pior.

Nosso relacionamento com a alimentação é complexo e emocional, pois a comida está associada a lembranças. Por isso, faz sentido que, quando estamos sob enorme estresse, recorremos a guloseimas para buscar conforto, distração e relaxamento.

Como já escrevi muitas vezes, é necessário o entendimento de quando a fome é fisiológica e quando é emocional. Quando ela é emocional, sintonizamos os sinais de fome e saciedade do corpo e apenas comemos, de forma quase inconsciente, e só percebemos depois com um "Por que comi tudo isso?" ou "Por que comi isso?". Em vez de comer para satisfazer uma necessidade física, usamos comida para satisfazer uma necessidade emocional.

Por que comemos mais na quarentena

Tomova et al (2020) fez um estudo usando ressonância magnética para entender o que acontece com as pessoas que estão em isolamento e têm vontade de comer sem parar. O estudo observou que após o isolamento, as pessoas se sentiam sozinhas e desejavam a interação social (a vida normal). Assim, as regiões do mesencéfalo mostraram ativação aumentada para sinais alimentares e sinais sociais após o isolamento; essas respostas foram correlacionadas com o desejo autorreferido, sendo que os resultados sugerem que o isolamento agudo causa desejo social e, como esses desejos estão comprometidos, ativam áreas cerebrais de impulso e compulsão.

O estudo ainda reforça que o isolamento social crônico e a solidão estão associados a menor saúde física e mental, sendo que interações sociais são necessidades humanas básicas, análogas a outras necessidades básicas, como consumo de alimentos ou sono. Nesse caso, a ausência de interação social pode criar um desejo, que motiva o comportamento a reparar o que está faltando e, assim, ações associadas à interação social ativam os sistemas de recompensa neural.

No cérebro, a motivação — ou seja, a sensação de "querer" alguma coisa — é ligada à transmissão de dopamina (DA) no chamado "circuito de recompensa do cérebro". As áreas centrais do cérebro desse circuito de recompensa compreendem o mesencéfalo dopaminérgico — com a maioria dos neurônios DA do mesencéfalo residindo na substância negra (SN) compacta e na área tegmental ventral (ATV) e o estriado.

Tanto em animais quanto em humanos, o circuito de recompensa dopaminérgico é desencadeado por recompensas inesperadas, que levam ao disparo fásico de neurônios liberadores de DA no mesencéfalo. A atividade neural no mesencéfalo e estriado está associada à sensação de "desejo", particularmente em resposta a imagens de alimentos mais satisfatórios e a imagens relacionadas a drogas em pessoas com vícios.

Nos animais sociais, as interações sociais atuam como recompensas primárias, pois elas são inerentemente prazerosas e motivam o comportamento na ausência de qualquer outra recompensa. Os roedores, por exemplo, buscam espontaneamente o contato social, se saem melhor em moradias em grupo do que em moradias isoladas e cooperam e ajudam os companheiros de jaula. Períodos prolongados de isolamento, especialmente durante o desenvolvimento, podem afetar drasticamente o comportamento e a função cerebral.

Como melhorar sua alimentação na quarentena

  • Não estoque guloseimas Compre alimentos que satisfaçam sua fome fisiológica, ou seja, você não tem fome de um chocolate e, sim, de um prato de arroz com feijão. É claro que você pode comprar alimentos que te satisfaçam emocionalmente, mas nada de forma excessiva, sempre com bom senso e equilíbrio.
  • Planeje suas refeições com antecedência Não deixe o dia levar e te trazer surpresas. Quando não planejamos, optamos por facilidades. E facilidades alimentares muitas vezes são "comfort foods".
  • Antecipe seu "morrendo de fome" Não espere chegar ao estado extremo de fome para comer. Se às 12:30 sua fome é absurda, antecipe o almoço em 30 minutos. Assim, você com certeza fará escolhas mais conscientes.
  • Estabeleça horários para suas refeições Não é porque não estamos com uma rotina de sair de casa que não vamos organizar nossos horários. Deixe fixo os horários das refeições e tente cumpri-los.
  • Sintonize sua fome física Use a escala de fome que já explorei por aqui. Pense na sua fome em uma escala de 0 a 10. Cinco é neutro, você não está com fome e não está cheio. Quatro está com um pouco de fome, você pode estar sentindo uma pontada de fome. Três está com muita fome. Dois é uma fome incontrolável, não se deixe chegar aqui. Um está absurdamente com fome. Zero é tão faminto que você pode desmaiar. Por outro lado, seis está satisfeito. Sete está cheio, oito está muito cheio. Nove é tão cheio que chega estar desconfortável e 10 com o estômago lotado. Procure fazer suas refeições entre os estágios 4 e 3 e pare de comer quando estiver no 5 ou, no máximo, 6.
  • Seja gentil consigo mesmo Se você acha que precisa ser perfeito, é muito mais provável que coma demais. Seja gentil quando derrapar e se comeu mais do que deveria. Perceba que, quando você procura alimentos calóricos, está tentando fazer o melhor para passar por um momento difícil. Concentre-se em ser gentil consigo mesmo, em vez de se machucar.
  • Entenda seus sentimentos Estamos sensíveis, com medo, estressados ou nem sabemos mais o que estamos sentindo. Por isso, tente identificar o que está causando mais ansiedade, para tentar resolver o problema, em vez de comer como solução. Mantenha um diário alimentar –que pode ser até pelas mídias sociais, postando fotos dos seus pratos — e concentre-se no que você está sentindo quando come. Observe quaisquer padrões que surjam.
  • Coma de forma consciente Preste atenção no que vai comer. Temos tempo de sobra para mexer no celular. Então, sente à mesa com sua família ou sozinho e preste atenção no que está fazendo e comendo. Traga para a consciência ações que antes eram inconscientes. Permita-se realmente provar sua comida. Aprecie a textura. Aproveite o tempo para perceber onde, na sua língua, você prova o sabor. Use todos os seus sentidos.
  • Mantenha seu peso Farei um texto somente sobre esse tema, porém agora é hora de manter o peso e cuidar da saúde. Já escrevi aqui a relação entre o aumento de gordura abdominal e a redução do córtex pré-frontal. Pese regularmente e, se perceber que está ganhando peso, invista em atitudes saudáveis para não engordar –ou seja, dieta e exercícios físicos.
  • Pratique o autocuidado Se você é alguém acostumado a procurar comida em momentos difíceis, romper a conexão entre comida e sentimentos pode ser muito desafiador. Leia o texto sobre gatilhos, deixa e recompensa e como lidar com isso.
Referências:
– Tomova, L.; et al. The need to connect: Acute social isolation causes neural craving responses similar to hunger. https://doi.org/10.1101/2020.03.25.006643. 2020.
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Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.